quinta-feira, 31 de março de 2011

Zumbis na área



Não sei vocês, mas eu tenho uma fascinação tremenda por filmes de zumbi.
Com algumas variações, o argumento é basicamente o mesmo sempre: um bando de mortos vivos toma conta de um local e um grupo de pessoas tenta se refugiar, sobreviver e preservar seus suculentos cérebros. Há aqueles filmes para realmente amedrontar, como 'A Noite dos Mortos Vivos' ou 'Extermínio', os feitos para divertir, como 'A Volta dos Mortos Vivos' e 'Zumbilândia', ou até mesmo para pensar e suscitar discussões sócio-políticas, como o recente 'Survival of the Dead'.
Por mais que saiba o que esperar, me divirto horrores com esse tipo de produção. Uma das explicações talvez seja o fato de que o primeiro filme de terror que me meteu medo de verdade foi 'A Noite dos Mortos Vivos', visto em uma matinê do antigo Cine Morgenau, em Curitiba, lá pelos idos dos anos 90. Isso que se tratava de uma refilmagem, não o original da década de 60 do genial George Romero, a maior autoridade em filmes de zumbi da história.
Puxei o assunto porque quem também é fã do gênero tem a oportunidade de ver nesta sexta-feira outro clássico, 'Day of the Dead', dirigido por Romero em 1985. A exibição acontece às 19h30 no Cine Ópera, seguida de um debate. A iniciativa é do Coletivo Zombie Walk PG (http://zombiewalkpg.blogspot.com/) e o ingresso custa apenas R$ 2. Leve seu cérebro.

domingo, 27 de março de 2011

Convencional em demasia


Acreditava-se que de uns anos para cá a sempre tradicionalista Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, responsável pelo Oscar, havia respirado novos ares. A consagração de filmes como ‘Onde os Fracos Não Têm Vez’, ‘Quem Quer Ser um Milionário?’ e ‘Guerra ao Terror’ parecia indicar uma nova tendência entre os votantes, privilegiando um cinema mais autoral e menos conservador. Pois a edição de 2011 veio para jogar um balde de água fria nessas pretensões. Ao premiar ‘O Discurso do Rei’ como o melhor filme, a Academia voltou às suas raízes, consagrando o mais convencional entre todos os trabalhos que estavam na disputa.
‘O Discurso do Rei’ é daqueles filmes que seguem à risca uma fórmula para agradar ao público e fazê-lo se sentir um pouco mais instruído. Uma história edificante, de amizade e superação, com produção caprichada e pano de fundo histórico. Na síntese para venda aos espectadores, é a história do rei George VI, da Inglaterra, que teve de superar um problema comum a muitos dos pobres mortais, a gagueira.
Após experimentar inúmeros tratamentos sem sucesso, George (interpretado pelo britânico Colin Firth, que também arrebatou o Oscar por seu papel) é conduzido pela esposa (Helena Bonham Carter) ao excêntrico Lionel Logue (Geoffrey Rush), um terapeuta que se utiliza de métodos pouco convencionais para tratar seus pacientes. Da relação entre médico e paciente (ou príncipe e súdito) que começa reticente, nasce uma amizade que se intensifica à medida que George vê crescerem as possibilidades de assumir o trono da Inglaterra.
O diretor Tom Hooper e o roteirista David Seidler conduzem a história com o mesmo cuidado e rigidez com que são seguidos os protocolos da monarquia britânica. Tudo tem seu tempo exato e está no devido lugar. A reprodução de época, com os figurinos e direção de arte elaborados em seus mínimos detalhes, é impecável. A trilha sonora acompanha as ações no devido ritmo, intimista ou grandiloqüente conforme a necessidade. Até mesmo as emoções são milimetricamente calculadas, sempre preparando o espectador para rir, se concentrar ou se emocionar.
Convenhamos, é formalismo demais para uma produção cinematográfica. Apesar de alguns diálogos perspicazes, o roteiro é de uma previsibilidade extrema, sempre conduzindo a plateia para a solução mais acomodada. Tudo é didaticamente explicado, enquanto os conflitos internos da família real ou a tensão histórica às vésperas da Segunda Guerra Mundial passam ao largo e servem como mero complemento para uma narrativa mais preocupada com suas lições de humanidade. O que ainda garante alguma força a ‘O Discurso do Rei’ são as interpretações de Colin Firth e Geoffrey Rush, responsáveis pelos poucos momentos de improviso no filme.
Em comparação com seus concorrentes no Oscar, falta o vigor de ‘A Rede Social’, a ousadia de ‘Cisne Negro’, a inventividade de ‘A Origem’ ou mesmo a criatividade de ‘Toy Story 3’. O problema de ‘O Discurso do Rei’ não é ser um filme ruim, mas ser convencional demais, se equiparar a dezenas de outras produções que logo vão para o limbo do esquecimento.

Claustrofobia em 3D


James Cameron e seu ‘Avatar’ inauguraram uma nova era no cinema de entretenimento: a dos filmes em 3D. Para esse segmento, não é necessário se dar ao trabalho de bolar uma grande história, criar personagens interessantes e envolver o espectador com uma narrativa mais elaborada. Seu protagonista é o visual. Transportar as pessoas para um ambiente em três dimensões nesses casos está à frente de qualquer outro ingrediente artístico ou criativo. Nessa safra, o mais recente produto a chegar por aqui é ‘Santuário’, aventura que tem como atrativo maior colocar a plateia presa em uma caverna e submersa na água.
Naquelas tendências que se formam não se sabe se intencionalmente ou por acaso, o cinema norte-americano vive um momento de exaltação à claustrofobia. Começou com ‘Enterrado Vivo’, lançado no ano passado, que acompanha a angústia de um sujeito que se vê preso dentro de um caixão embaixo da terra. Nos próximos meses segue com ‘127 Horas’, indicado ao Oscar, que recria a história real de um alpinista preso entre rochas. Entre eles temos ‘Santuário’, que se utiliza do 3D para sufocar ainda mais seu público.
Baseado em uma história real e sem grandes estrelas, a produção retrata uma equipe de mergulhadores que se mete a explorar uma caverna gigantesca na Papua Nova Guiné. Surpreendidos por uma violenta tempestade, os exploradores ficam presos dentro da caverna, buscando meios de deixar o local. O roteiro é o mesmo de centenas de filmes que você já viu por aí, não acrescentando em nada para quem espera uma história minimamente interessante.
Pense em todos os chavões possíveis e eles estão lá. O pai e o filho que, após uma vida inteira de conflitos, vão se reconciliar na busca pela sobrevivência; o aventureiro metido a corajoso; a garota frágil e o expert recalcado. Personagens rasos, cujo único propósito é emitir diálogos repetidos e dar amparo a todas as situações previsíveis desde os primeiros minutos de projeção.
Logo, o que ainda resta em ‘Santuário’? Claro, a tecnologia. Se até pouco tempo atrás não haveria qualquer motivo para recomendar uma bomba como essa, dessa vez o sistema tridimensional ao menos cria um diferencial. Vistas no 3D, as imagens subaquáticas realmente impressionam e reforçam a sensação de angústia que o diretor Aliston Grierson quis compartilhar com seus personagens. Em alguns momentos parece que temos de nos contorcer para ultrapassar uma fenda estreita ou controlar a respiração para não se afogar.
Isso tudo, porém, ainda é pouco para quem aprecia cinema de verdade. Como escrevi anteriormente sobre ‘Avatar’, fazer cinema é, antes de tudo, saber contar uma história. E não há tecnologia no mundo que compense a ausência de um bom narrador. Ferramentas como 3D e outras que estejam por vir serão sempre bem vindas como forma de atrair o público e renovar fórmulas que estão cada vez mais desgastadas. Mas quando elas passam a substituir o autor e os princípios básicos da cinematografia, há motivos para se colocar uma ou até duas pulgas atrás da orelha.

sábado, 26 de março de 2011

O crime sob outra ótica



O espectador lê a sinopse e se anima. Confere as credenciais do diretor e se enche ainda mais de euforia: o filme é dirigido por David Fincher, responsável pelo mais cultuado filme de ‘serial killer’ das últimas décadas, o envolvente ‘Seven’. Compra sua pipoca e lá vai faceiro para a sala de cinema, pronto para tentar decifrar a identidade de mais um assassino em série das telas. De início lá está o crime brutal, o assassino misterioso e todos os demais elementos que fazem parte do gênero. Aos poucos, no entanto, o mistério vai tomando outros rumos, o foco da história se desloca e aquele espectador que aguardava um suspense eletrizante vai caindo na frustração. Frustração? Não para quem assistir a ‘Zodíaco’ desprovido de tal expectativa, interessado somente em cinema de qualidade.
Quem não se recorda de ‘Seven’, que em meados da década de 1990 aterrorizou as plateias com o assassino em série sanguinário que matava baseado nos sete pecados capitais da Bíblia? Dez anos depois, David Fincher retoma o tema que catapultou sua carreira, mas dessa vez fazendo uma espécie de releitura sobre o próprio gênero cinematográfico. Baseado uma história real, o cineasta faz dessa vez um estudo não sobre o que se passa na mente de um assassino, mas sobre o fascínio e a obsessão que ele desperta nas demais pessoas.
O ponto de partida é o assassinato de dois jovens na noite de 4 de julho de 1969. Dias após o crime, jornais americanos recebem correspondências do suposto assassino, exigindo que um código cifrado seja colocado na primeira página, sob a ameaça de fazer novas vítimas. Bem-sucedido em sua proposta, o criminoso inicia um jogo com a mídia, encaminhando novas cartas, novas mensagens, na mesma medida em que mais corpos vão aparecendo.
A investigação mobiliza duas frentes: na polícia com o detetive Dave Toschi (Mark Ruffalo) e na imprensa com o repórter Paul Avery (Robert Downey Jr.) e o cartunista Robert Graysmith (Jake Gyllenhaal). Os três se mostram obcecados em desvendar o mistério, descobrir a identidade do assassino e interromper o banho de sangue. Suspeitos vão aparecendo, mas sem provas suficientes para incriminá-los. Os crimes cessam, o caso vai caindo no esquecimento, mas a obsessão do trio insiste em não desaparecer.
‘Zodíaco’ até começa dando mostras de que será um suspense na trilha de ‘Seven’, abrindo com uma cena do assassino em ação (magistralmente filmada, diga-se de passagem). O desafio de desvendar os códigos e possíveis identidades do criminoso consomem o espectador até certa altura, quando a solução do caso se mostra praticamente impossível. A questão já não é mais quem matou, mas até onde vai a obsessão dos personagens para elucidar um mistério que se mostra infindável.
Ao invés de tentar entender o que se passa na cabeça de um assassino em série, Fincher busca desvendar o fascínio mórbido que esse tipo de personagem desperta na mente humana. A partir de um momento, descobrir quem é o criminoso não é uma questão de salvar vidas, mas apenas de pôr fim a um desafio pessoal. Não deixa de ser um filme sobre filmes de suspense, questionando inclusive o papel de nós, espectadores. E tão fascinante e envolvente quanto as melhores obras do gênero.

À sombra de ‘Pulp Fiction’



O passar dos anos mostra que Quentin Tarantino conseguiu fazer de ‘Pulp Fiction’ aquele que talvez seja o grande clássico do cinema contemporâneo. A exemplo do que acontece com as obras-primas, o filme se tornou uma referência para dezenas de jovens diretores que vieram a seguir, que nele se inspiraram ou simplesmente tentaram copiá-lo. Como é da natureza, alguns tiveram menos sorte que outros. Sendo assim, podemos dizer que Paul McGuigan e seu ‘Xeque-Mate’ entram na relação dos menos afortunados.
Não que o filme seja um desastre. Com certeza, os discípulos de Tarantino já nos reservaram coisas bem mais nefastas do que este ‘Xeque-Mate’. Mas tendo em vista o elenco e a premissa que o diretor tinha em mãos, era de se esperar pelo menos um filme mais divertido. Uma comparação inevitável é com Guy Ritchie, autor de ‘Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes’ e ‘Snatch – Porcos e Diamantes’, dois subprodutos tarantinescos, mas com qualidades que deixam os fãs do gênero para lá de satisfeitos.
‘Xeque-Mate’ começa com um misterioso Bruce Willis numa cadeira de rodas contando para alguém a trágica história de um apostador que se deu muito mal ao se envolver com quem não deveria. Corta. Temos então Slevin (Josh Harnett), um jovem que por estar no local errado e na hora errada acaba sendo confundido com outra pessoa. Mais precisamente, com um sujeito que deve muito dinheiro para dois gângsteres rivais, O Chefe (Morgan Freeman) e O Rabino (Ben Kingsley). Mesmo não sendo quem esperam que seja, Slevin vai ter de se virar para pagar sua dívida em um curto espaço de tempo.
A partir de então, começa a brincadeira de surpreender o espectador. Cada seqüência vai deixando algo em aberto, uma pista para tentar enganar quem está acompanhando a história. Quando você pensa que sabe o que está acontecendo, surge alguma virada, como quem diz: “Ahá! Te peguei!”. Nesse festival de reviravoltas que por (poucas) vezes diverte e por (muitas) vezes cansa, o filme segue sua toada até o final surpreendente (mas nem tanto).
Os elementos do cinema de Tarantino estão todos presentes: os ângulos inusitados, a montagem ágil, a violência semigratuita, os diálogos aparentemente boçais, pontuados por referências à cultura pop. O problema é que a McGuigan sobra pretensão e falta habilidade para misturar esses ingredientes. Em primeiro lugar, falta o humor ácido e a ironia a que o diretor se pretende. Por muitas vezes os diálogos soam tolos, deslocados e enfadonhos, como que apenas para preencher o tempo. Já as reviravoltas da trama acabam se constituindo paradoxais: o diretor se esforça tanto em enganar o espectador, mas na hora de desvendar os segredos o faz da maneira mais óbvia possível.
Quanto aos atores, chega a ser deprimente ver Morgan Freeman e Ben Kingsley, dois gigantes na interpretação, repetindo clichês de uma ‘Tela Quente’ de ação qualquer. O mesmo acontece com Bruce Willis, tentando repetir os cacoetes de John Travolta em ‘Pulp Fiction’. Mas nesse caso a inexpressividade não chega exatamente a surpreender. Ah, ainda tem Lucy Liu, que entra e sai de cena sem justificar para que foi escalada. Parece que alguém precisa contar a essa nova geração de diretores que o cinema tem uma longa e riquíssima história antes da década de 90.

Fidelidade em excesso



Não é de hoje que a adaptação de histórias em quadrinhos se tornou um atrativo filão para a indústria cinematográfica. Até onde for, levará consigo o eterno dilema de agradar fãs dos desenhos originais e espectadores leigos de cinema. A grande questão hoje em dia parece ser: até que ponto manter a fidelidade aos quadrinhos e avançar os limites da sétima arte? Por ser uma das obras mais cultuadas nesse segmento, ‘Watchmen’ tinha contra si esse desafio. O resultado final mostrou que se apegar demais às raízes de HQ também pode ser prejudicial.
Quando fui assistir a ‘Watchmen – O Filme’, estava completamente desarmado. Por nunca ter sido um grande fã de quadrinhos adultos, desconhecia as histórias escritas por Alan Moore na década de 80, que fizeram mais sucesso entre a minha geração do que eu imaginava. A premissa me parecia deveras interessante, de um grupo de super-heróis não tão super assim, por carregar consigo uma alta dose de humanidade. Enfim, vivi a experiência de um espectador de cinema comum, despido de qualquer paixão anterior.
A história não é das mais simples e, se fosse para resumi-la, consumiria alguns parágrafos a mais. Sinteticamente, a trama se passa no ano de 1985, num cenário hipotético em que Nixon ainda é o presidente dos Estados Unidos. Intitulado ‘Os Vigilantes’, um grupo de heróis que fez sucesso no passado vive seus dias de decadência. São eles Dr. Manhattan (Billy Crudrup), Coruja II (Patrick Wilson), Roorschach (Jackie Earle Haley), Ozymandias (Matthew Goode), Espectra II (Malin Akerman) e o Comediante (Jeffrey Dean Morgan). Quando este último é assassinado, logo no início do filme, tem início uma investigação, para levantar se foi um crime pontual ou haveria um plano para eliminar o grupo. Esse mistério irá obrigar os Vigilantes a retornarem à ativa.
Nessa sinopse reduzida estão contidas várias subtramas, que consomem duas horas e quarenta minutos de projeção. Muito para os desavisados, pouco para quem conhece o universo da história original. O diretor Zack Snider, que encarou a adaptação como uma missão pessoal, revelou que o primeiro roteiro tinha cerca de quatro horas de duração. Por aí se tem uma ideia da complexidade que envolve o projeto e o quão difícil seria agradar gregos e troianos.
É justamente na obsessão em se manter fiel à história original que ‘Watchmen’ patina. De uma só vez, o diretor quis desenvolver uma trama em particular e contar a origem de todos os personagens. O resultado é um filme de altos e baixos. Quando o espectador está envolvido com a narrativa, abre-se um parêntese para regressar ao passado e focar um personagem em particular. Os diálogos em excesso dispersam a atenção e quando se retoma o rumo, já bateu aquele cansaço.
O tratamento visual é de primeira, com efeitos convincentes e sem os excessos cometidos pelo diretor em ‘300’ (outra adaptação dos quadrinhos). A trilha sonora se adapta perfeitamente ao ambiente criado pelos idealizadores. O que faltou mesmo foi um enxugamento no roteiro, que provavelmente despertaria a ira dos fãs ardorosos. Pelo menos eles adoraram.

Crônica de uma tragédia



Por mais traumático que tenha sido, não havia nenhuma dúvida de que, mais cedo ou mais tarde, o fatídico episódio de 11 de setembro seria alvo das investidas de Hollywood. Foram necessários cinco anos para que fosse colocado o dedo na ferida e a tragédia ganhasse as telas de cinema do mundo. Sob pontos de vista e abordagens diferentes, dois filmes sobre o assunto chegaram aos cinemas em 2006: ‘As Torres Gêmeas’, de Oliver Stone, e ‘Voo United 93’, de Paul Greengrass. Este último já está disponível em DVD e permite ao espectador embarcar em uma experiência das mais desconcertantes proporcionadas pelo cinema americano no ano que passou.
Dos quatro voos tomados por terroristas em 11 de setembro de 2001, apenas um não conseguiu atingir seu alvo (o World Trade Center e o Pentágono, atingido por três aeronaves): o voo 93 da United Airlines, que seguia em direção a São Francisco, mas caiu inexplicavelmente no estado da Pensilvânia. Segundo relatos de pessoas que mantiveram contato com quem esteve a bordo, passageiros teriam tomado a iniciativa de lutar contra os terroristas, a fim de evitar a tragédia. É essa história que o diretor recria, gerando uma obra extremamente tensa e perturbadora.
Como não existem informações precisas sobre o que de fato aconteceu naquele voo, Greengrass se baseou nos depoimentos de familiares das vítimas, juntamente com os de controladores de voo e profissionais que acompanharam o caos daquela manhã. A partir desses relatos, tomou a liberdade de fazer uma suposta reconstrução do que se passou dentro do avião e nos organismos de aviação americanos. Num estilo semidocumental, o diretor retrata quase que em tempo real o pesadelo vivido por dezenas de personagens envolvidas diretamente com o episódio.
O resultado são 111 minutos dos mais tensos e angustiantes. De início acompanhamos a tranquilidade dos passageiros ao embarcar para (o que seria) mais uma viagem, a preparação dos terroristas para o ataque e a situação de normalidade nos aeroportos. Aos poucos, à medida em que as coisas começam a fugir do controle, o espectador é tomado por uma sensação de agonia crescente. Os minutos parecem ganhar um redimensionamento, por vezes parecendo escassos demais, em outros casos dando a impressão de serem intermináveis.
À medida em que o filme se aproxima do fim, o cineasta intensifica sua habilidade de lidar com uma das sensações mais atemorizantes do ser humano: o medo e a percepção iminente da morte. O desespero dos passageiros que começam a ver suas vidas por um fio provoca sequências de arrepiar. O descontrole que toma conta das autoridades e técnicos do setor de aviação é o retrato de um caos para o qual ninguém estava preparado. A seqüência em que o segundo avião atinge as torres gêmeas é sintomática: não há palavras, apenas a imagem do inexplicável.
Outro mérito de ‘Voo United 93’ é não apelar para o ufanismo barato, tão comum às produções norte-americanas. Mesmo retratando a atitude dos passageiros como um ato de bravura, o diretor se esquiva de colocá-los em um pedestal, como heróis em defesa de um ideal. São apenas seres humanos, que ainda acreditavam que houvesse uma esperança de estenderem suas vidas. O final seco encerra aquilo que pode ser um golpe duro no espectador, mas do qual é impossível sentir-se indiferente.

O fenômeno Almodóvar



No que podemos chamar de ‘meio intelectualizado’, existem alguns fenômenos que extrapolam qualquer tentativa de explicá-los pelo raciocínio lógico. Um deles é a adoração quase religiosa pelo espanhol Pedro Almodóvar. Seus filmes são tidos como obras-primas quase que incontestáveis e cada novo lançamento é aguardado com a ansiedade de uma avó coruja pelo neto que vai nascer. Não que ache Almodóvar um mau cineasta, muito pelo contrário. Só não consigo enxergar a genialidade descomunal que crítica e moderninhos de plantão exaltam em sua obra. Pois bem, foi com essa rabugice que assisti a ‘Volver’, sua mais recente produção e objeto de desejo de 98% dos cinéfilos.
Antes que os fãs do espanhol me crucifiquem, permitam-me dizer que o considero um cineasta extremamente talentoso. Seus roteiros são invejavelmente bem-escritos, transformando histórias de folhetins novelescos em consistentes melodramas (no melhor sentido da palavra). Na direção de atores, raros são os nomes do cinema atual que dominam a técnica com tamanha eficácia. Por fim, sua sensibilidade garante muitas imagens de encher os olhos. Lamentavelmente, porém, não é sempre que o diretor consegue equilibrar todas essas virtudes.
Em ‘Volver’, Almodóvar retorna àquele que é o terreno em que transita com mais desenvoltura, o universo feminino. Raimunda (Penélope Cruz) é uma bela mulher que vive com a filha adolescente e o marido recém-desempregado, amparada pela irmã Sole (Lola Dueñas). Quando uma velha tia morre em seu vilarejo natal, sua mãe Irene (Carmen Maura), falecida há alguns anos, reaparece misteriosamente. A partir de uma série de acontecimentos, que é melhor não revelar aqui, as três gerações vão acertar algumas contas com o presente e o passado.
Como disse algumas linhas acima, um dos principais talentos de Almodóvar é a construção de melodramas. Melhor dizendo, de tragicomédias. Suas histórias se aproximam daquelas ouvidas e vivenciadas em nosso dia-a-dia, com alguns toques de surrealismo que ora provocam risos, ora levam às lágrimas. Esse talvez seja um dos motivos que levam tanta gente a adorar sua obra. São dramas semelhantes aos vistos na novela das oito, mas aos quais o diretor se dá a liberdade de tirar um clichê aqui, colocar uma pitada de exagero ali, tomar uma liberdade artística acolá.
Em ‘Volver’, a força motriz está nas atrizes. O trio formado por Penélope Cruz, Lola Dueñas e Carmen Maura protagoniza um verdadeiro duelo de interpretações, naquele estilo fiel ao espanhol, entre a sisudez e o caricato. Pena que o roteiro dessa vez não está à altura de seu elenco, se perdendo em algumas subtramas e colocando situações desnecessárias, que só servem para distrair a atenção do espectador. De resto, permanecem a fotografia pontuada por cores vibrantes e a bela trilha sonora.
No fim das contas, ‘Volver’ é um belo filme, mas ainda distante de um trabalho mais consistente como ‘Tudo Sobre Minha Mãe’ e que não se faz merecedor de tantas ovações entusiásticas. Repete uma fórmula eficaz, mas com apenas lampejos de genialidade.