sexta-feira, 18 de março de 2011

Muita forma, pouco conteúdo



Philip K. Dick foi um dos principais nomes da literatura de ficção científica do século 20. Ironicamente, sua obra se tornou mais popularizada logo após sua morte, quando foi lançado nos cinemas ‘Blade Runner – O Caçador de Androides’, adaptação de um conto seu que se tornou um dos maiores ‘cults’ do cinema contemporâneo. Há alguns anos Steven Spielberg levou o trabalho do autor para as massas, com ‘Minority Report – A Nova Lei’. Agora, foi a vez do diretor semi-independente Richard Linklater render sua homenagem com ‘O Homem Duplo’, que com uma boa história, mas excesso de pretensão, acaba decepcionando.
O primeiro fator que chama a atenção nesse filme é o visual. O diretor utiliza pela segunda vez em sua carreira a técnica da ‘rotoscopia’, ou seja: roda todo o filme em película, com atores reais, e depois de pronto, retrabalha a imagem em animação, introduzindo novas cores e efeitos. O resultado é bastante interessante, imprimindo tons de psicodelia e produzindo uma espécie de graphic novel em movimento. O problema é que o cineasta parece ter se concentrado excessivamente no visual e esquecido do roteiro.
Baseado no livro ‘A Scanner Darkly’, ‘O Homem Duplo’ se passa em um futuro onde a política de segurança é voltada prioritariamente para o combate às drogas. Em especial, à ‘Substância D’, produto cujo consumo provoca sérios danos cerebrais. Keanu Reeves é Bob Arctor, policial que se infiltra em um grupo de esquisitões (liderados por Robert Downey Jr. e Woody Harrelson) para descobrir uma rede de tráfico. À medida em que passa a vigiar o grupo, começa a se dar conta da sua vida dupla, que se estende a outras pessoas ao redor.
A escolha do diretor em usar a técnica de animação se justifica pelo fato de narrar uma história ligada a entorpecimento e alucinação. A primeira reação do espectador ao tomar contato com esse cenário é um misto de estranhamento e encantamento. De início é divertido embarcar na viagem proposta pelo filme, mas à medida em que o efeito inicial vai passando, torna-se um tanto cansativo e entediante. Culpa do roteiro confuso, que não prioriza o visual, mas também não se sustenta como narrativa.
Confesso que não li nenhuma obra de Dick, mas pelas referências que tenho, trata-se de um autor que pontuava seus textos com muita ironia e reflexões filosóficas. Ao que parece, Richard Linklater quis traduzir esse espírito para as telas, introduzindo seqüências verborrágicas, ao estilo Quentin Tarantino. O problema é que fala-se muito e explica-se pouco. Não que se esperassem soluções fáceis e óbvias, mas para uma história que trata justamente de ambiguidade e identidade, despejar toda essa carga teórica e imagética ao espectador de uma só vez é pedir para irritá-lo.
Por todas as premissas que tinha em mãos – a inovação estética, a instigante obra de Philip K. Dick, a reflexão futurística e sobre as drogas –, ‘O Homem Duplo’ se constitui em uma experiência frustrante. A sensação que fica ao espectador é a de adquirir um produto com uma bela embalagem, mas sem sabor nenhum.

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