sábado, 26 de março de 2011

O bom e velho cinema político



Desde que criticar o presidente norte-americano George W. Bush virou moda, o cinema pretensamente politizado ganhou mais vigor nas telas, inclusive dentro de Hollywood. Mas se existe alguém que sabe o que é cinema político de verdade, na sua essência, atende pelo nome de Ken Loach. Aos 70 anos, o cineasta inglês ostenta uma carreira marcada por títulos que abordam de maneira contundente as diferenças sociais, conflitos civis, as conquistas e fraquezas da esquerda. Em sua mais recente produção, ‘Ventos da Liberdade’, o foco são os conflitos entre irlandeses e ingleses no início do século 20, que desembocaram na formação do Exército Republicano Irlandês, o IRA.
Por ‘Ventos da Liberdade’, Loach conquistou em 2006 a tão desejada Palma de Ouro no Festival de Cannes. A premiação foi encarada mais como um reconhecimento à sua carreira (somente no festival francês foram 13 filmes selecionados anteriormente) do que pelo filme em si, que está aquém de outras obras suas. Isso não tira o mérito do filme, que para muitos pode parecer antiquado em razão de sua militância explícita, mas inegavelmente mantém uma narrativa eficiente e uma abordagem crítica.
‘Ventos da Liberdade’ parte da história de dois irmãos irlandeses, Damien (o cada vez mais talentoso Cillian Murphy, de ‘Café da Manhã em Plutão’) e Teddy (Padraic Delaney) na década de 20. Enquanto Teddy é um ativista político, Damien está mais interessado em seguir sua carreira de médico na Inglaterra. Porém, o assassinato brutal de um amigo por militares ingleses o faz mudar de idéia. Os dois passam a organizar uma milícia para enfrentar a dominação inglesa, acusada de uma série de atrocidades contra os nativos irlandeses. O crescimento do grupo acompanha o processo de independência e divisão da Irlanda, que deu início a uma das mais longas e sangrentas guerras civis do século 20.
Não espere imparcialidade de Ken Loach. Em seus filmes ele toma partido mesmo, o que faz com que uma parcela da crítica lhe torça o nariz. Nesse caso, mesmo sendo inglês, ele fica abertamente do lado dos irlandeses. A ocupação inglesa é retratada de maneira extremamente violenta e brutal, agredindo famílias por motivos banais, torturando prisioneiros políticos e agindo da maneira mais opressora possível. Tal maniqueísmo é sempre incômodo, mas é o preço que o cineasta se propõe a pagar por fazer valer suas posições.
Isso não significa que ‘Ventos da Liberdade’ se constitua em um filme de mocinhos coitadinhos versus vilões impiedosos. Loach aborda de maneira crítica as virtudes e fraquezas dos resistentes irlandeses. Se por um lado encontram forças na valentia e no amor à causa separatista, por outro tropeçam em sua desorganização e incapacidade de conciliar ideais de esquerda. Isso fica evidente na parte final, quando os inimigos não se distinguem mais pela língua ou pelo sotaque.
Em alguns momentos o filme envereda pelo melodrama, parecendo querer dar um tempo na reflexão para arrancar algumas lágrimas. Não chega a ser nenhum demérito, mas poderia ser usado um tom mais contido. De todo modo, ‘Ventos da Liberdade’ é um exemplo de resistência a um cinema voluntarioso e que merece o maior respeito.

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