sábado, 12 de março de 2011

Ao sabor do Oscar


Vez ou outra, a cerimônia do Oscar reserva algumas surpresas, agradáveis ou não. Quando, na edição de 2006, foi anunciado o prêmio de melhor filme estrangeiro para o sul-africano ‘Infância Roubada’, poucos esperavam que isso pudesse acontecer. Primeiro porque o favoritismo estava com o palestino ‘Paradise Now’ e, segundo, porque raríssimas foram as vezes em que o cinema africano foi contemplado pela Academia. Passado um ano e meio, quando o filme finalmente chega ao Brasil, fica bem mais fácil entender o porquê de sua premiação. E, acredite, isso está longe de ser um elogio.
Alguns críticos mundo afora viram de imediato uma aproximação entre ‘Infância Roubada’ e o brasileiro ‘Cidade de Deus’, de Fernando Meirelles. Tal paralelo está no fato de que ambas as produções abordam a relação entre criminalidade e juventude no Terceiro Mundo. Claro que os distribuidores não perderam a oportunidade e usaram da referência para vender o filme sul-africano e impulsionar sua carreira internacional. Mas, com todo o respeito, compará-lo com a brilhante obra de Meirelles é como comparar uma redação de primário com uma dissertação de mestrado.
Baseado em romance homônimo do escritor Athol Fugard, ‘Infância Roubada’ traz como personagem principal Tsotsi (título original das duas obras, que na língua nativa das ruas significa ‘ladrão’), adolescente que lidera uma quadrilha em uma favela de Johanesburgo. Certo dia, após roubar um carro, o jovem se depara com um bebê no banco traseiro. O episódio deflagra uma crise existencial e de consciência no jovem, que passa a rever sua vida criminosa.
Como se pode perceber, o ponto de partida é o mesmo de ‘Cidade de Deus’: uma favela, onde jovens oprimidos pela miséria encontram no crime a única alternativa de progredir na vida. No entanto, as semelhanças param por aí. No filme brasileiro, tínhamos uma estrutura narrativa complexa, envolvente e brilhantemente costurada. A violência tinha presença constante, com brechas para a humanização, mas sempre acirrando os conflitos dos personagens. Lamentavelmente, nada disso se vê em ‘Infância Roubada’.
O diretor e roteirista Gavin Hood expõe um pouco da realidade malograda da pobreza em seu país, mas com olhos que parecem mais de turista deslumbrado que de um conterrâneo engajado. A partir do momento em que coloca seu personagem em conflito, parte sempre para as soluções mais fáceis e previsíveis. A fraqueza enrustida sob a pose de mau, a relação turbulenta com a família, a dissociação entre amigos e comparsas, tudo é explicado e resolvido de maneira didática.
Verificando essa formula batida, ficam mais do que evidentes os motivos que levaram ‘Infância Roubada’ a abocanhar o Oscar. Ali estão todos os elementos que fazem o deleite da Academia: uma história de redenção, com um mínimo de crueza amortecida por doses maciças de sentimentalismo. Não custa lembrar que o romance em que o filme é baseado foi escrito em 1960 e publicado na década de 80. Passados quase 50 anos, a problemática permanece atual, pena que o cineasta tenha sido tão ingênuo.

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