sábado, 19 de março de 2011

Entre cigarros e cinismo



Fazer humor já não é uma tarefa para muitos. Que dirá arrancar risos através do cinismo, da ironia fina e do politicamente incorreto. É uma experiência no mínimo ousada, uma vez que as grandes plateias não são muito receptivas a esse tipo de humor. Ainda mais quando se decide abordar um assunto que divide opiniões, como o fumo. Por tudo isso, ‘Obrigado por Fumar’ teria grandes chances de não decolar. Mas, contrariando as previsões, o resultado final é um ótimo filme, divertido tanto para fumantes como não-fumantes.
Dirigido pelo pouco conhecido Jason Reitman, ‘Obrigado por Fumar’ conta a história de Nick Naylor (Aaron Eckhart), um lobista da indústria tabagista. Sua missão é defender na mídia os fabricantes de cigarro, usando com maestria os mais diversos argumentos para convencer as pessoas a continuar fumando. Intitulando-se ‘a pessoa mais odiada do mundo’, tem de usar sua destreza para enfrentar um senador antitabagista (William H. Macy) e as armadilhas de uma jornalista sedutora (Katie Holmes), entre outros adversários. E, mais do que isso, convencer de que, mesmo desempenhando sua função, ainda pode ser um bom exemplo para o filho.
Mais do que uma comédia sobre a guerra entre indústria tabagista e seus detratores (muito mais pesada nos Estados Unidos e Europa que no Brasil), ‘Obrigado por Fumar’ é um irônico painel sobre o ilimitado poder de manipulação presente na sociedade atual. Seja através de Naylor e sua argumentação hipnótica, dos antitabagistas e suas estratégias de lobo em pele de cordeiro, ou ainda, da mídia e seus métodos pouco ortodoxos para levar ‘informação’ ao público.
Tudo isso poderia ser muito chato se o diretor decidisse realizar um filme sério. Para nossa felicidade, Jason Reitman optou por um humor cínico e venenoso, sem tomar partido e tender para um dos lados. O roteiro é brilhante, com diálogos cheios de ironia, que podem até passar desapercebidos ao espectador menos atento ou com pouco senso de humor. No entanto, o ritmo ágil não deixa que em nenhum momento a narrativa se torne enfadonha.
Outro ponto alto é o elenco. Aaron Eckhart parece ter nascido para o papel principal, com seu olhar malandro e os sorrisos de canto de boca. Quando se junta à dupla formada por Maria Bello e David Koechner, representantes das indústrias de bebidas e armas (compondo o trio intitulado ‘Mercadores da Morte’), os três são responsáveis por alguns dos momentos mais divertidos do filme. Isso sem contar a presença de nomes como o sempre eficiente William H. Macy, o veterano Robert Duvall e Sam Elliot, excelente na pele do combalido ‘Marlboro Man’.
Ainda merece destaque a sensacional abertura, feita com base em embalagens de cigarro, ao som de uma antiga canção enaltecendo os prazeres do fumo. Cínico sem ser agressivo, crítico sem ser moralista, inteligente sem ser cabeça, ‘Obrigado por Fumar’ resulta em uma espécie rara no cinema atual, que questiona e faz rir ao mesmo tempo. Ainda que, infelizmente, para plateias restritas.

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