quinta-feira, 17 de março de 2011

Pesadelo adolescente



É algo impressionante a capacidade que têm as distribuidoras brasileiras de subverter os títulos originais de filmes estrangeiros, criando as denominações mais esdrúxulas que se pode imaginar. O exemplo clássico é ‘Parenthood’ (‘Paternidade’ em português), comédia estrelada por Steve Martin nos anos 80 que até hoje ninguém sabe explicar por que ganhou a alcunha de ‘O Tiro Que Não Saiu Pela Culatra’. O mais novo exemplar dessa safra é o suspense ‘Hard Candy’ (algo como quebra-queixo, um doce duro) que os brasileiros podem conferir como ‘Menina Má.com’.
Em primeiro lugar, a tentativa de fazer trocadilho com um filme que tem como mote os relacionamentos pela internet soa horrível. Em segundo, o título brasileiro adianta ao espectador algo que para ele seria mais interessante descobrir durante o filme. Mas não vamos ficar aqui teorizando sobre títulos, afinal o filme do estreante diretor de videoclipes David Slade tem outros elementos que merecem mais atenção.
Em ‘Menina Má.com’, Hayley (Ellen Page), uma adolescente de 15 anos tecla num chat com Jeff (Patrick Wilson), um fotógrafo com seus 30 e poucos. A conversa maliciosa termina com a combinação de um encontro real, que por sua vez se estende para a casa do rapaz. Sim, estamos diante de um filme sobre pedofilia. E como você, caro leitor, já deve ter sacado, aquela que parecia uma jovem inocente nas mãos de um pervertido, esconde uma outra faceta e reserva algo de muito ruim para seu sedutor.
Podemos avaliar ‘Menina Má.com’ sob dois aspectos, que apontam para resultados desiguais. Primeiro: como filme de suspense, a produção se sai muito bem. Tudo é centrado no duelo psicológico entre os dois protagonistas, bem conduzido pelo roteiro desde os primeiros diálogos. O diretor consegue fazer com eficiência a transposição entre o clima dócil e o conflito entre os dois personagens, evitando sobressaltos e acentuando aos poucos a tensão no espectador.
Tensão essa que incomoda e causa desconforto. A seqüência de tortura física e psicológica comandada pela garota é capaz de provocar muito mais calafrios do que os festivais de sangue e vísceras dos terrores contemporâneos. Com closes em profusão sobre rostos suados, o diretor consegue estabelecer uma atmosfera claustrofóbica e angustiante, sem necessidade de apelar para grandes truques de câmera.
Passemos à segunda avaliação, na qual o filme perde alguns pontos. Quando se propôs a abordar um tema tão delicado e atual como a pedofilia, Slade poderia ter tentado mergulhar nele mais a fundo. A impressão que se tem é que, com medo de ser considerado tendencioso para um dos lados, o cineasta preferiu ficar na margem, despejar um elemento aqui, outro ali, deixando que o espectador fique com suas dúvidas e tire as conclusões da maneira que bem entender.
O desfecho do filme também deixa um pouco a desejar, tanto em termos cinematográficos como de reflexão. E acabamos voltando à infelicidade dos nossos distribuidores: afinal de contas, seria realmente a garota a personagem má da história? Melhor ficar com o título original, que espertamente faz um paradoxo entre doçura e dureza, a verdadeira força motriz da história.

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