sexta-feira, 18 de março de 2011

Amargura e humor negro



Certos filmes exigem do espectador uma dose mais acurada de senso de humor para serem apreciados. Algumas das produções dos irmãos Coen, por exemplo, não encontram no grande público a devida receptividade para sua ironia, às vezes cruel, e seu humor negro. A mim isso muito agrada, mas por algum motivo que ainda estou procurando entender, não consegui me divertir com ‘Na Mira do Chefe’,um recente exemplar do gênero, ovacionado pela crítica e agora indicado ao Oscar de melhor roteiro original.
O filme é a estreia em longas do dramaturgo Martin McDonagh, que em 2004 faturou o Oscar de melhor curta-metragem com ‘Six Shooter’. Seu talento como escritor fica evidente no estilo impresso à produção, onde são valorizados essencialmente os diálogos e o trabalho dos atores. Da nova safra de cineastas britânicos, tem um estilo diferenciado de outros colegas, como Danny Boyle e Guy Ritchie, que se preocupam sobremaneira com a estética e a edição acelerada.
Na trama criada por MacDonagh, Ray (Colin Farrell, que ganhou recentemente um Globo de Ouro por sua atuação) e Ken (Brendan Gleeson) são matadores profissionais, despachados à cidade de Bruges, na Bélgica, onde aguardam instruções sobre o próximo trabalho. O título original, ‘In Bruges’, ilustra a participação efetiva que tem o ambiente na história, praticamente um dos personagens principais. Enquanto Ken, mais velho, se delicia com os passeios pelas construções históricas, o jovem Ray não cansa de reclamar, entediado com seu clima bucólico.
A passagem da dupla pela cidade é marcada por confusões com turistas norte-americanos, aventuras com mulheres e um anão mal-humorado. Esse cenário fica ainda mais conturbado quando Ken finalmente recebe a missão: matar seu colega, atormentado pelo erro em um trabalho que custou a vida de uma criança. A situação delicada e suas reviravoltas ainda exigirão que entre diretamente em cena o chefe de ambos, o temível Harry (Ralph Fiennes).
O diretor e roteirista cria uma trama em que se embaralham diferentes gêneros, como policial, drama e comédia. Os momentos de humor, entretanto, são como pérolas a serem encontradas vasculhando a imensidão de diálogos ácidos construída ao longo do roteiro. O riso não é fácil e quase sempre está relacionado a situações politicamente incorretas, explorando diferenças culturais entre europeus e norte-americanos. A ironia está presente em quase todo o filme, o que ás vezes torna suas piadas quase que imperceptíveis.
Mesmo com toda essa carga irônica, o que prevalece é um tom de amargura, representado na figura de dois matadores bem diferentes dos estereótipos cinematográficos. Ao invés de profissionais frios e calculistas, Ray e Ken são pessoas atormentadas, com dilemas, culpas e sentimentos. A violência não é estilizada, mas econômica e crua. São os ingredientes que fazem de ‘Na Mira do Chefe’ uma produção diferenciada, destinada a paladares mais aguçados e dispostos a experimentar novos sabores.

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