Certos filmes exigem do espectador uma dose mais acurada de senso de humor para serem apreciados. Algumas das produções dos irmãos Coen, por exemplo, não encontram no grande público a devida receptividade para sua ironia, às vezes cruel, e seu humor negro. A mim isso muito agrada, mas por algum motivo que ainda estou procurando entender, não consegui me divertir com ‘Na Mira do Chefe’,um recente exemplar do gênero, ovacionado pela crítica e agora indicado ao Oscar de melhor roteiro original.
O filme é a estreia em longas do dramaturgo Martin McDonagh, que em 2004 faturou o Oscar de melhor curta-metragem com ‘Six Shooter’. Seu talento como escritor fica evidente no estilo impresso à produção, onde são valorizados essencialmente os diálogos e o trabalho dos atores. Da nova safra de cineastas britânicos, tem um estilo diferenciado de outros colegas, como Danny Boyle e Guy Ritchie, que se preocupam sobremaneira com a estética e a edição acelerada.
Na trama criada por MacDonagh, Ray (Colin Farrell, que ganhou recentemente um Globo de Ouro por sua atuação) e Ken (Brendan Gleeson) são matadores profissionais, despachados à cidade de Bruges, na Bélgica, onde aguardam instruções sobre o próximo trabalho. O título original, ‘In Bruges’, ilustra a participação efetiva que tem o ambiente na história, praticamente um dos personagens principais. Enquanto Ken, mais velho, se delicia com os passeios pelas construções históricas, o jovem Ray não cansa de reclamar, entediado com seu clima bucólico.
A passagem da dupla pela cidade é marcada por confusões com turistas norte-americanos, aventuras com mulheres e um anão mal-humorado. Esse cenário fica ainda mais conturbado quando Ken finalmente recebe a missão: matar seu colega, atormentado pelo erro em um trabalho que custou a vida de uma criança. A situação delicada e suas reviravoltas ainda exigirão que entre diretamente em cena o chefe de ambos, o temível Harry (Ralph Fiennes).
O diretor e roteirista cria uma trama em que se embaralham diferentes gêneros, como policial, drama e comédia. Os momentos de humor, entretanto, são como pérolas a serem encontradas vasculhando a imensidão de diálogos ácidos construída ao longo do roteiro. O riso não é fácil e quase sempre está relacionado a situações politicamente incorretas, explorando diferenças culturais entre europeus e norte-americanos. A ironia está presente em quase todo o filme, o que ás vezes torna suas piadas quase que imperceptíveis.
Mesmo com toda essa carga irônica, o que prevalece é um tom de amargura, representado na figura de dois matadores bem diferentes dos estereótipos cinematográficos. Ao invés de profissionais frios e calculistas, Ray e Ken são pessoas atormentadas, com dilemas, culpas e sentimentos. A violência não é estilizada, mas econômica e crua. São os ingredientes que fazem de ‘Na Mira do Chefe’ uma produção diferenciada, destinada a paladares mais aguçados e dispostos a experimentar novos sabores.
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