sábado, 26 de março de 2011

O ocaso de um rock star



Se existe um diretor no cinema americano que tem os pés mais cravados na Europa do que nos Estados Unidos, esse cara é Gus Van Sant. Não pela temática de seus filmes ou coisa parecida, mas pelo estilo de filmar, que se aproxima em muito do chamado ‘cinema de arte’ que os europeus tanto apreciam. Suas obras são difíceis, exigem paciência do espectador e, não raro, são classificadas como chatas ou criticadas pelo ‘cabecismo’ do diretor. Não é diferente com ‘Últimos Dias’, que, mesmo tratando de um tema pop (o rock), não abre mão de sua proposta alternativa.
‘Últimos Dias’ é livremente inspirado na vida de Kurt Cobain, líder da banda Nirvana, um ícone do rock dos anos 90, que se suicidou no auge da carreira. Como o próprio título entrega, o filme acompanha os últimos e deprimentes dias do pop star, até quando decide acabar com a vida. É bom esclarecer que não se trata de uma biografia do roqueiro, mas de uma versão pessoal do diretor sobre o episódio, sem se basear em nenhuma obra literária ou coisa do gênero. Van Sant já havia feito algo similar em ‘Elefante’, onde fez uma reconstrução do massacre na escola de Columbine, quando dois estudantes mataram dezenas de colegas em 1999.
No filme, o roqueiro decadente se chama Blake (interpretado por Michael Pitt, numa grande semelhança física com Cobain) e está isolado em uma casa de campo. Suas atividades se resumem a viver como um zumbi, zanzando de um lado para o outro, balbuciando palavras sem nexo e ignorando as poucas companhias que tem. Três amigos dividem a mesma casa, mas sua convivência está mais voltada para deixar Blake mergulhar em seu isolamento do que tentar intervir de alguma maneira.
Pela sinopse, o espectador prevê um filme entediante. E, de fato, o é em muitos momentos. O diretor faz questão que assim seja. Há poucos diálogos e quase todos arrastados, de poucas palavras. A câmera de Van Sant é contemplativa, feita de longos planos estáticos, acompanhando pouca ou quase nenhuma ação. Em uma das cenas, por exemplo, Blake começa a tocar todos os instrumentos musicais à sua frente. O espectador acompanha tudo do lado de fora, limitando-se a ouvir e ver de longe o vulto do personagem à janela.
Segundo ponto que deve decepcionar muita gente: apesar de se tratar de um filme sobre rock, praticamente não há música. À exceção da cena descrita acima, não se vê o personagem principal tocando ou cantando. Mesmo a trilha sonora é escassa, com alguns poucos momentos musicais. Se serve como consolo, é possível destacar a participação do casal Kim Gordon e Thurston Moore, da banda Sonic Youth, contemporânea do Nirvana. Ela interpreta a agente de Blake, enquanto ele foi o responsável pela consultoria musical do filme.
Definitivamente, não é um filme fácil e não foi feito para as massas. Porém, o ritmo lento e arrastado talvez tenha sido a melhor forma encontrada pelo diretor para expressar o ocaso de um astro, consumido pela amargura e deslocado do mundo em que foi jogado. O cinema de Van Sant é peculiar e complexo, assim como foi a obra e a personalidade de Cobain.

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