sábado, 26 de março de 2011

Poesia de corações partidos



Quando os olhos ocidentais se voltaram com mais atenção ao cinema de regiões periféricas do oriente (Hong Kong, Taiwan, Coréia do Sul), lá pelo final da década de 90, começo dos 2000, um nome se sobressaiu. Com suas histórias de amor peculiares, ritmadas pela estética publicitária, Wong Kar-wai se tornou o queridinho de boa parte dos cinéfilos contemporâneos, este escriba inclusive. Era uma questão de tempo até que ele viesse a se aventurar em território norte-americano. Até que esse tempo demorou a chegar, pois somente no ano passado veio ‘Um Beijo Roubado’. A boa notícia é que, se não tem a mesma força de seus filmes anteriores, ao menos o diretor não trai a marca que o tornou uma referência no cinema asiático.
Lembro-me até hoje do encanto proporcionado por seu primeiro filme, ‘Amores Expressos’, que contava duas histórias de amor, que tinham em comum o fato de não se consolidarem em sua plenitude. Em suas obras posteriores, Kar-wai seguiu lidando com corações partidos, romances frustrados e para os quais sempre faltava um happy end. ‘Um Beijo Roubado’ não foge à regra, ainda que com algumas concessões, mas que não trazem prejuízo ao produto final.
Para contar sua primeira história nos Estados Unidos, o diretor não teve medo de correr riscos e escolheu como protagonista a cantora Norah Jones, que até então jamais havia atuado frente às câmeras. Ela é Elizabeth, ou Lizzie, uma jovem que acaba de ser dispensada pelo namorado. O destino a leva ao café de Jeremy (Jude Law), que após alguns encontros, conversas e tortas de ‘blueberry’ (segundo li, uma fruta chamada no Brasil de mirtilo), se vê envolvido pela moça.
Pois é justamente quando a jovem decide colocar o pé na estrada, na tentativa de curar as feridas ou em busca de algo que ela não sabe ao certo. Entre trabalhos como garçonete em diversas cidades, conhece figuras como um policial alcoólatra (David Strathairn, de ‘Boa Noite e Boa Sorte’), sua ex-esposa (Rachel Weisz) e uma jogadora compulsiva (Natalie Portman). Nessa jornada, o contato com Jeremy é mantido através de cartas nas quais relata suas experiências.
Como se percebe, Kar-wai nos coloca novamente diante de uma história em que o amor não consegue se completar, seja por experiências frustradas ou circunstâncias do destino. É o tipo de situação que o cineasta consegue dominar com destreza, se expressando através de diálogos aparentemente banais, sem jogos de palavras ou clichês, mas que parecem sempre conter algo nas entrelinhas. Com um clima que intercala melancolia e esperança, o diretor compõe personagens que se apoiam em um sentimento misterioso, que se está longe de ser felicidade, também não é uma tristeza dolorosa.
A estética continua a mesma, com o abuso de luzes, câmera acelerada e sobreposição de imagens. Nas tomadas noturnas de Nova York ou nos cenários naturais do interior, o cineasta produz um espetáculo constante aos olhos. E aos ouvidos também, embalando as cenas com composições de Ry Cooder, Otis Redding e Cat Power (que faz uma ponta no filme). Se existe algo nesse mundo caótico que possa ser chamado de poesia imagética urbana, Wong Kar-wai deve saber do que se trata.

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