quinta-feira, 17 de março de 2011

História com rebeldia



Cinema é feito de personagens, afinal, se não houver sequer um deles, não é possível contar uma história. Personalidades históricas sempre atraíram diretores e plateias por render bons personagens. O que incomoda na maioria das vezes é o conservadorismo no trato dessas figuras, como se houvesse uma preocupação em transpor um livro de história para as telas. É esse excesso de didatismo que, em muitas oportunidades, liquida ótimos personagens e filmes interessantes. Mas regras existem para serem quebradas e, para nossa felicidade, existe uma cineasta como Sofia Coppola disposta a comprar essa briga. O resultado: ‘Maria Antonieta’, uma ousada e competente cinebiografia da antiga rainha da França.
Para quem não se recorda das aulas de história, Maria Antonieta foi aquela rainha tida como louca e que ficou mais conhecida por sua frase ‘Se não têm pão, comam brioche’, em resposta ao povo que se rebelava. A filha do genial cineasta Francis Ford Coppola enxergou além da superfície e viu que ali existia muito mais para ser contado. Encontrou uma jovem deslocada, cheia de ideias e energia, mas sufocada pelas convenções de uma sociedade para a qual não havia sido feita.
Kirsten Dunst (mais conhecida como a namorada de Peter Parker em ‘Homem Aranha’) dá vida a Maria Antonieta, retirada de sua família na Áustria ainda adolescente para se casar com Luís Augusto, delfim da França. Fruto de um acordo político entre os dois países, o casamento se mostra um fracasso no princípio: enquanto Luís está mais interessado em caçadas, Antonieta vai sucumbindo à superficialidade da corte real, cheia de pompas que escondem um mar de futilidades. Somente quando morre o rei Luís 14 e os dois são obrigados a assumir a coroa, sentem quão pesado é o fardo que estavam destinados a carregar.
Coppola enxerga em Maria Antonieta uma jovem como muitas dos dias atuais: sedenta por diversão, seduzida pelo consumismo, impulsiva e apaixonada. Porém, sofre por estar em uma sociedade à qual não pertence, que tolhe seus desejos e impõe responsabilidades precoces. Sua personagem se assemelha às das duas obras anteriores da diretora. Como as irmãs de ‘As Virgens Suicidas’, é uma jovem dominada, obrigada a se submeter às convenções. A exemplo de Scarlett Johanson em ‘Encontros e Desencontros’, é uma alma solitária em território estrangeiro.
Já Sofia Coppola é uma mulher do século 21 e por isso não se submete aos padrões conservadores do cinema de época. Se sua personagem principal se identifica com a juventude atual, nada mais justo do que produzir uma obra que dialogue no mesmo tom. Por isso, o filme foge do convencional ao tirar o foco principal da história (a dos livros) e se concentrar no interior de Maria Antonieta, com suas alegrias e angústias. Ao priorizar o humanismo em detrimento do didatismo, evita cair no enfadonho costumeiro do gênero.
A diretora vai ainda mais além e usa na trilha sonora canções pop dos anos 80 e 90. As imagens de primorosos figurinos e direção de arte de época são embaladas por bandas como Strokes, New Order, Pulp e The Cure. Ela se dá à liberdade até de incluir um par de tênis All Star em uma das cenas, num gesto de pura ironia adolescente. Os conservadores podem torcer o nariz, mas quem aprecia um pouco de rebeldia juvenil estará diante de um grande filme.

Nenhum comentário:

Postar um comentário