quinta-feira, 24 de março de 2011

Fazer rir com responsabilidade



Quando se fala no cinema nacional recente, o gaúcho Jorge Furtado é indiscutivelmente uma das principais referências. Desde o histórico curta-metragem ‘Ilha das Flores’, o cineasta desenvolveu um estilo particular diferenciado, aliando humor e provocação através de uma linguagem jovial e inteligente. ‘Saneamento Básico, o Filme’ pode não ser seu melhor filme, mas é onde demonstra estar mais maduro, a ponto de ironizar a própria produção cinematográfica tupiniquim.
O próprio título do filme já é uma piada, denotando o ponto de partida para uma história que pode parecer surreal de início, mas acaba sendo mais verossímil do que se imagina. Numa pequena cidade do interior gaúcho, um grupo de moradores de uma comunidade decide se unir para reivindicar junto à Prefeitura a construção de uma fossa. Qual não é a surpresa quando recebem a notícia de que não há dinheiro para investir na obra, mas há uma verba disponível para realização de um filme. A solução encontrada é se lançar para produzir o filme, aproveitando o restante dos recursos para construir a fossa.
O grupo de neocineastas é formado por Marina (Fernanda Torres), Joaquim (Wagner Moura), Silene (Camila Pitanga) e Fabrício (Bruno Garcia). Um tanto desorientados, resolvem usar justamente o mote da falta de saneamento básico na comunidade para realizar um filme ecológico. No melhor estilo trash, inventam um roteiro com um monstro tóxico, uma mocinha de formas generosas e um cientista maluco.
Não são poucos os pontos de interrogação lançados por Furtado em seu novo filme. O principal deles é: é justo um país disponibilizar dinheiro para produção cinematográfica enquanto não há recursos para saneamento? Nisso ele se distancia mais de seus longas-metragens (‘Houve uma Vez Dois Verões’, ‘O Homem que Copiava’ e ‘Meu Tio Matou um Cara’) e se aproxima da polêmica de ‘Ilha das Flores’. Mas como se trata de Jorge Furtado, sua provocação não é didática ou enfadonha, se apoiando principalmente na ironia.
O amadorismo do grupo na produção do filme resulta em momentos hilários, que ao mesmo tempo servem de contraponto à facilidade com que obtiveram dinheiro público para esse fim. As alfinetadas estão por toda a parte, a todos os envolvidos: a burocracia governamental, a hipocrisia política, os pretensos artistas e seus apoiadores... mas tudo feito através de um humor sutil, que consegue perfeitamente explorar os artifícios da metalinguagem.
Para quem se acostumou às produções anteriores de Jorge Furtado, o ritmo é mais desacelerado e o tom próximo da comédia de costumes. Não que isso seja um grande problema, mas faz com que às vezes o bom roteiro perca a sintonia com o desenvolvimento, deixando alguns momentos vazios e supostamente desnecessários. O elenco não poderia ter sido melhor escolhido e por muitas vezes dá a impressão de estar se divertindo tanto quanto o espectador. Engraçado e provocador, ‘Saneamento Básico’ consegue o que muitos tentam em vão: fazer rir ao mesmo tempo em que fala sério.

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