sábado, 19 de março de 2011

Entre tiros e introspecção



Nem sempre é apenas de tiros, perseguições e explosões que se faz um bom filme policial. Quem mais recentemente nos provou isso foi Martin Scorsese com o espetacular ‘Os Infiltrados’, que associou um intrigante embate psicológico à tradicional guerra entre polícia e bandido. Conflitos de moral, familiares e psicológicos também são o mote de ‘Os Donos da Noite’, do não tão conhecido diretor James Gray. Apesar de não ter a força e as maiores qualidades da produção de Scorsese, é um filme que tem seus méritos, principalmente por fugir um pouco do cinema de ação tradicional.
A abertura do filme, ao som de ‘Heart of Glass’, do Blondie, já denuncia que estamos nos anos 80 (felizmente sem os estereótipos que caracterizam as produções nacionais, por exemplo). Logo de início somos apresentados a Bobby Green (Joaquin Phoenix), gerente de uma movimentada danceteria no bairro do Brooklyn, comandada por mafiosos russos, que gosta de se esbaldar em copos de bebida e carreiras de cocaína.
Em seguida, estamos diante do outro lado da família. Seu pai, Burt (Robert Duvall) e o irmão Joseph (Mark Whalberg), respectivamente chefe e subchefe da polícia de Nova York, figuras altamente respeitadas no combate à criminalidade. Os dois lados da família se encontram quando os policiais comandam uma operação na danceteria, com o intuito de prender um dos principais traficantes de droga da cidade. Uma vingança planejada pelos russos contra a polícia vai colocar Bobby entre a cruz e a espada, dividido entre ascender nos negócios e proteger a família.
O roteiro guarda algumas semelhanças com ‘Os Infiltrados’, onde um policial escondia sua natureza criminosa e vice-versa. Em ‘Os Donos da Noite’, o personagem de Joaquin Phoenix também mantém sigilo sobre seu parentesco com policiais, o que o coloca diante de uma intricada crise de consciência. A diferença está no trato dessa situação, que no caso do diretor James Gray poderia ser mais problematizada e não enveredar por algumas soluções tão fáceis. Em determinadas situações fica difícil acreditar que tanta dissimulação passe despercebida aos olhos de tão temíveis criminosos.
Mas deixemos de comparações com Scorsese (o que, a meu ver, chega a ser covardia) para apontar algumas virtudes particulares desse filme. Uma delas o elenco. Não restam dúvidas de que Joaquin Phoenix é um ótimo ator, como já havia comprovado em ‘Johnny e June’. Aqui ele carrega no olhar e na fala a angústia de seu personagem, que chega ao fundo do poço para finalmente se transformar. Mark Whalberg não tem tanto talento, mas não compromete, enquanto o veterano Robert Duvall dispensa comentários.
Pode-se dizer que ‘Os Donos da Noite’ funciona melhor nos seus momentos de drama psicológico que de policial. Há uma forte carga emocional e de tensão, que em momento algum se ameniza ou dissipa. Mesmo com os furos do roteiro, a história consegue se sustentar com eficiência até o final. Certamente, uma boa oportunidade para romper com o clima frenético e alucinante dos policiais contemporâneos e apreciar um pouco de introspecção.

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