sábado, 19 de março de 2011

Humanidade e crueldade



Tempos atrás, quando resenhei nesse espaço ‘Diamante de Sangue’, com Leonardo di Caprio, ressaltei que nos últimos anos o continente africano se tornou a vedete do cinema norte-americano politicamente correto. Aquele cinema que, com uma pitada hollywoodiana, procura abrir os olhos das grandes platéias para o sofrimento e os horrores que se escondem nos países do terceiro mundo. O mais recente exemplar dessa safra é ‘O Último Rei da Escócia’, que garantiu a Forest Whitaker o Oscar 2007 de melhor ator.
O cenário é Uganda e a época o início da década de 1970. O foco central da história, porém, é o mesmo de produções anteriores: um país miserável nas mãos de uma ditadura sanguinária, responsável por dizimar milhares de pessoas. Lamentavelmente, um clichê não dos cineastas, mas de uma história estúpida e absurda que se estende até os dias atuais. Em ‘O Último Rei da Escócia’, o diretor Kevin MacDonald adota um ponto de vista diferenciado: de dentro do poder, retratando a intimidade de um comandante deslumbrado, cruel e confuso.
Essa pessoa é Idi Amin Dada, o ditador vivido com excelência por Whitaker. Sua história é contada através do jovem médico escocês Nicholas Garrigan (James McAvoy), que parte para o continente africano em busca de ‘um pouco de ação’, como ele mesmo diz. Um acidente faz com que os dois se conheçam e da fascinação do ditador pela Escócia nasce a amizade e o convite para que Garrigan seja seu médico particular. Entre a euforia e a ingenuidade, o escocês assume a função, se tornando com o tempo assessor e conselheiro do ditador.
Em um primeiro momento, o filme mostra o lado humano do ditador, um tanto infantil, carismático, bonachão e, de certa maneira, preocupado com seu povo. Essa personalidade conquista o médico, que aos poucos vai descobrindo uma nova faceta do comandante, contraditória, insensata e cruel. Logo, Garrigan se vê preso em uma armadilha e, de um drama com pitadas de bom humor, o filme ganha tensão e passa para um suspense político.
Apesar do famoso aviso de que ‘O Último Rei da Escócia’ é baseado em fatos reais, grande parte do que se vê na tela é ficção. O médico que protagoniza a história jamais existiu e sua história é extraída do livro homônimo do escritor britânico Giles Forden, que usou-a para retratar a Uganda do período comandado por Amin. Isso prejudica um pouco a apreensão do conteúdo realista do filme, já que os principais episódios (alguns sanguinolentos) estão relacionados ao escocês. Portanto, cabe um pouco ao espectador tentar distinguir o que é verídico do que é romance para arrebanhar plateias.
Independente disso, merecem destaque as interpretações dos dois atores principais. Forest Whitaker consegue encarnar com maestria a personalidade complexa e contraditória de Idi Amin, alternando ternura e rancor. Há alguns exageros, é verdade, mas que em nada prejudicam sua atuação. James MacAvoy, por sua vez, não se deixa ofuscar por Whitaker e constrói muito bem um personagem atormentado por ter sido traído pela própria inocência. O resultado final tem alguns problemas, mas vale como uma abordagem mais humana e menos sensacionalista de uma triste página da história.

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