quinta-feira, 17 de março de 2011

Subversivo, mas nem tanto



Em um cinema ainda fortemente influenciado pela televisão, como é o brasileiro, iniciativas ao mesmo tempo ousadas e voltadas para o grande público merecem ser destacadas. Principalmente quando partem de um consagrado diretor de telenovelas globais, que admite, sem nenhum pudor, fazer filmes pensando em levar grandes plateias ao cinema, pouco interesse o que pensem os críticos. Diante disso, apesar de ficar abaixo do que poderia render, ‘Muito Gelo e Dois Dedos d’Água’ é digno de, pelo menos, um mínimo de atenção.
Daniel Filho tem sido um dos cineastas mais profícuos no Brasil, lançando três longas nos três últimos anos. Suas duas produções anteriores, ‘A Dona da História’ e ‘Se Eu Fosse Você’, se caracterizam por dois pontos em comum: o conservador formato televisivo (quase novelesco) e o ótimo resultado nas bilheterias. Observando esse currículo, até surpreende que ‘Muito Gelo...’ seja mais ousado, apostando em uma linguagem moderna, no humor mais ácido e no politicamente incorreto.
No filme, Roberta (Mariana Ximenez) e Suzana (Paloma Duarte) são irmãs que resolvem colocar em prática um plano alimentado há muito tempo: seqüestrar a avó e levá-la para a casa de praia onde passaram a infância e adolescência, submetendo a velha às mesmas ‘torturas’ que sofreram no passado: de uma sessão de bronzeamento forçada a um exame de virgindade. No caminho elas ganham a companhia de um advogado mauricinho (Ângelo Paes Leme) e têm em seu encalço o atrapalhado marido de Suzana (Thiago Lacerda).
Desde o início, o tom adotado pelo diretor e pelo roteiro assinado por Fernanda Young (da extinta série ‘Os Normais’) é venenoso: as duas protagonistas abusam de trajes generosos para o público masculino, falam palavrão, bebem e fumam maconha. No entanto, parece haver uma certa resistência do diretor em avançar muito além do limite onde começa a subversão. Quando o filme parece que vai deslanchar para o tom ardiloso utilizado, por exemplo, pelos irmãos Farrely (de ‘Quem Vai Ficar com Mary?’), ele recua e se limita ao caricatural, ficando mais próximo das novelas de Carlos Lombardi.
Não se pode deixar de destacar, contudo, algumas ótimas sacadas do filme. Uma delas é o uso de seqüências de animação, que substituem com criatividade os manjados flashbacks. Já a inserção de efeitos visuais e sonoros, que remetem a desenhos animados, contribuem com o tom farsesco e inusitado adotado pelo diretor. Por fim, a escolha de Laura Cardoso para viver a avó seqüestrada é um tiro certeiro. A veterana atriz rouba a cena todas as vezes que aparece, seja como megera rabugenta ou em estado alterado, cantando ‘Eu te amo, meu Brasil, eu te amo’.
‘Muito Gelo...’ perde ainda mais o ritmo no final, quando Daniel Filho, como um garoto arrependido por ter cometido algumas maldades, procura se redimir junto ao grande público inserindo um final feliz água-com-açúcar. De todo modo, ele ainda é merecedor de crédito. Por ousar e mostrar que é possível produzir cinema para as massas fugindo do conservadorismo global.

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