sábado, 12 de março de 2011

Realidade e imaginação

É fato que Charlie Kaufman é um dos mais criativos e talentosos roteiristas da atual geração. Para quem não associa nome à pessoa, trata-se do responsável pelos inventivos roteiros de ‘Quero Ser John Malkovich’, ‘Adaptação’ e ‘Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças’. Em suma, alguém que gosta de criar histórias mirabolantes, exercitar a metalinguagem e botar a cabeça do espectador para funcionar. Era natural que, uma hora ou outra, Kaufman decidisse também partir para a direção. E assim o fez com ‘Sinédoque, Nova York’, filme que mantém seu estilo provocador, mas se mostra bem menos palatável que as bem-sucedidas produções dirigidas por outros colegas.
Resumir a história de ‘Sinédoque, Nova York’ já é um bom exercício de síntese. Caden Cotard (Philip Seymour Hoffmann) é um diretor de teatro bem-sucedido nos palcos, mas nem tanto na vida pessoal. Adoecido e um tanto paranoico, vive uma crise conjugal com sua mulher (Catherine Keneer), tão atormentada quanto ele. A filha pequena, naturalmente, parece um reflexo dos transtornos dos pais. Em busca de respostas, Caden consulta com uma psiquiatra mais preocupada em vender livros de auto-ajuda do que efetivamente apresentar soluções.
Nos palcos, após uma bem-sucedida adaptação de ‘A Morte do Caixeiro Viajante’, o diretor recebe um prêmio para produzir uma nova peça. Caden decide então fazer uma adaptação de sua própria vida no palco, colocando intérpretes para si mesmo e para as pessoas com quem convive, reproduzindo dramas e dilemas de sua realidade. À medida que o tempo avança, seus tormentos se intensificam, dramatização se confunde com a vida real, sem que ele consiga encontrar o rumo e o desfecho ideal para a peça.
A exemplo de seus roteiros anteriores, Kaufman brinca com os limites entre real e imaginário, levando o espectador a se questionar o que é realidade de fato e o que está apenas na cabeça dos personagens (o que o diretor não faz questão nenhuma de distinguir). O resultado global, em comparação às outras produções, no entanto, é bem distinto. Enquanto ‘Quero Ser John Malkovich’ e ‘Adaptação’ usavam do humor para melhor dialogar com seus espectadores, aqui o tom é bem mais sério e de poucas concessões. Para quem está acostumado a um cinema de fácil assimilação, será uma experiência bem estranha.
A mim, particularmente, não agradou. Kaufman parece um sujeito de grandes ideias, exímio na hora de colocá-las no papel, porém, se mostra inseguro na direção. Haja visto seu fascínio pela metalinguagem, não seria exagero afirmar que às vezes ele se assemelha com seu protagonista, que, confundido por tantas reviravoltas na vida real, não consegue dar um rumo a sua obra. No caso de Kaufman, a multiplicidade de ideias, além de não se encaixar, se perde em um ritmo arrastado.
‘Sinédoque, Nova York’ parece aquele típico caso do ‘ame-o’ ou ‘odeie-o’. Para quem anda farto do convencionalismo e do conservadorismo do cinema atual, vale a pena conferir e, pelo menos, apreciar a tentativa de se fazer algo mais ousado e inquietante. Goste-se ou não, a iniciativa já é merecedora de aplausos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário