terça-feira, 22 de março de 2011

Em um outro mundo



Certas pessoas não estão ajustadas ao mundo real. Para elas, a realidade comum parece demasiado entediante, formal e quadrada. Terry Gilliam é um desses sujeitos. Seus filmes evidenciam um desejo constante de encontrar alguma espécie de universo paralelo, uma rota de fuga mirabolante, onde seja possível dar vazão à imaginação da forma que nem sempre nos é permitida.  Em resumo, ‘O Mundo Imaginário do Doutor Parnassus’ é isso. Seu último filme, finalizado após um duro golpe dessa cruel realidade, parece sintetizar aquilo que o diretor sempre sonhou em fazer com seu público nos filmes: levar a um passeio pelo universo de nossos devaneios e, se possível, permanecer por lá o quanto for possível.
Ex-integrante do grupo humorístico Monty Python, Terry Gilliam sempre explorou o fantástico em suas obras, seja de forma mais equilibrada (‘Brazil – O Filme’, ‘Os 12 Macacos’, ‘O Pescador de Ilusões’) ou intensa (‘Medo e Delírio’, ‘Os Irmãos Grimm’). Suas histórias retratam personagens que, por um motivo ou outro, não conseguem fincar os pés no mundo real, optando ou sendo obrigados a escapar para algum outro local, como Alices em busca de seus Países das Maravilhas.
Para embarcar na viagem de ‘Parnassus’, é necessário que o espectador esteja no clima desses personagens. Se não é tão delirante como em outros de seus filmes, a narrativa elaborada por Gilliam também não é das mais convencionais, com heróis e vilões bem definidos entre começo, meio e fim. Comecemos falando sobre o personagem do título, um senhor de idade (vivido pelo excepcional Cristopher Plummer) que corre as ruas com um espetáculo itinerante, onde as pessoas atravessam um espelho e visitam o mundo dos seus sonhos.
Mais do que um mero idoso mambembe, Doutor Parnassus é um imortal, que séculos atrás fez uma aposta com o diabo para conseguir a vida eterna. Em troca, deverá entregar a ele sua filha quando a garota completar 16 anos. Ao retornar para cobrar a dívida, o diabo (interpretado pelo roqueiro Tom Waits) propõe-lhe uma nova aposta e inicia uma nova saga pela vida da jovem. Entrar em maiores detalhes sobre a história é privar o espectador de saboreá-la da maneira como o diretor propôs, com toda a arquitetura que mescla realidade e fantasia sem divisões precisas.
O detalhe mórbido fica por conta da presença de Heath Ledger, morto durante as filmagens em 2008. Por conta do episódio, Gilliam quase abortou o projeto, mas foi convencido a finalizá-lo graças à participação de Johnny Depp, Jude Law e Colin Farrell, que substituíram Ledger nas cenas que ainda faltavam. Com a criatividade que é peculiar ao cineasta, os três foram encaixados na trama de uma maneira que chega a enriquecê-la, parecendo até proposital a quem não está a par dos fatos. 
Assim como na narrativa incomum, em ‘Parnassus’ o diretor não economiza na plasticidade, criando cenários e situações típicas de sonho. Não os sonhos contemporâneos de ‘A Origem’, mas aqueles típicos da nossa infância, inspirados em uma espécie de fantasia cada vez mais fora de moda. Não para Terry Gilliam, persistente como seu personagem ao defender a magia de contar histórias.

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