domingo, 20 de março de 2011

O lado negro da dança


Muito se falou a respeito de ‘Cisne Negro’. Seus admiradores exaltaram-no como um sufocante drama psicológico, enquanto seus detratores torceram o nariz para o jogo de cena de uma trama tida como frágil. Falou-se, com justiça, de Natalie Portman, vencedora de um Oscar por sua interpretação visceral. Mesmo antes de seu lançamento no Brasil o filme já havia adquirido uma aura cult, responsabilidade em parte do já cultuado diretor Darren Aronofsky. Talvez tenha sido esse falatório todo que me fez deixar a sala de cinema com uma ponta de frustração. Não consegui amá-lo nem odiá-lo, apenas experimentei uma sensação um pouco diferenciada da proporcionada pela maioria dos filmes recentes.
Darren Aronofsky é um diretor conhecido por mergulhar a fundo em mentes perturbadas, explorar a psique de seus personagens com uma voracidade quase desumana. Seja com o matemático descontrolado de ‘Pi’, o conjunto de drogaditos de ‘Réquiem para um Sonho’ e mesmo o protagonista frustrado de ‘O Lutador’. Nenhum deles, porém, parece ter sido páreo para Nina, a personagem de Natalie Portman que emerge de um universo tão aparentemente delicado e encantador como o do balé.
Nina é a nova estrela de uma companhia, que conquista o cobiçado papel principal do espetáculo ‘O Lago dos Cisnes’. Caberá a ela interpretar tanto o cisne branco, doce e angelical, como o cisne negro, sedutor e astucioso. Para o primeiro papel ela não encontra maiores dificuldades. Para dar vida ao cisne negro, porém, ela precisa despertar a agressividade que está dormente em algum lugar de sua personalidade. As pressões vêm de todos os lados: da mãe superprotetora (Barbara Hershey), da colega Lily (Mila Kunis), que ameaça tomar seu papel, e do diretor da companhia (Vincent Cassel), que exercita sobre ela um misto de cobrança e assédio.
O diretor encontra em sua protagonista um prato cheio para explorar os dramas psicológicos que alavancaram sua carreira até aqui. Perfeccionista ao extremo, introvertida e sexualmente reprimida, Nina demonstra uma obsessão que vai além dos limites. Muitos compararam a personagem de Natalie Portman à de Catherine Deneuve em ‘Repulsa ao Sexo’, de Roman Polanksi, com a diferença de que o papel de bailarina custou não apenas trabalho interpretativo, mas também um grande esforço físico. O resultado é uma atuação realmente transfiguradora, intensa e cheia de nuances.
Aronofsky vai além do drama e transforma sua história quase em um conto de horror. A estética intricada de seus primeiros filmes deu lugar ao uso da câmera na mão e da valorização da fotografia, especialmente nas cenas de dança. Em certos momentos, lembra o estilo do terror oriental, mais psicológico do que físico. Apesar de tudo, ‘Cisne Negro’ deixa uma sensação de vazio no espectador. Durante todo o filme compartilhamos a angústia, a atmosfera claustrofóbica de seu conjunto, mas parece faltar um direcionamento na história. Não é uma obra-prima, como defendem alguns, tampouco algo desprezível. É o trabalho de um diretor talentoso, ousado, mas que ainda precisa ser lapidado.

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