quinta-feira, 24 de março de 2011

Pretensão versus diversão



Antes de ser mais conhecido como o marido de Madonna (agora ex), Guy Ritchie foi um cara legal. Não era nenhum gênio, mas sabia como poucos fazer diversão de qualidade. Discípulo de Quentin Tarantino e Danny Boyle, foi um dos responsáveis por popularizar o cinema de videoclipe, com roteiros frenéticos vestidos em estética publicitária e embalados por música pop. Após um grave acidente de percurso chamado ‘Destino Insólito’ (comento mais abaixo), retornou às origens neste ano com ‘Rock’n rolla – A Grande Roubada’. Provavelmente, foi o que estimulou alguma distribuidora a lançar somente agora ‘Revólver’, produção de 2005, da qual confesso que nem sabia de sua existência.
Ritchie foi alçado à fama com duas preciosidades, ‘Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes’ e ‘Snatch – Porcos e Diamantes’, divertidas histórias de bandidos cheias de reviravoltas, violência estilizada e sarcasmo. Como o amor às vezes faz coisas terríveis, o diretor presenteou sua amada Madonna com ‘Destino Insólito’, comédia romântica protagonizada por ela, da qual ambos devem se envergonhar até hoje. ‘Revólver’ foi realizado três anos depois, nada tinha a ver com essa tragédia, mas a fraca repercussão deve ter feito com que o filme mal chegasse às telas.
A trama de ‘Revólver’ remonta ao universo das primeiras produções de Ritchie, povoadas por bandidos pés-de-chinelo que se metem com figurões do crime. O personagem principal dessa vez é Jake Green (Jason Statham, ator-fetiche do diretor), criminoso que deixa a cadeia disposto a se vingar de Macha (Ray Liotta, no ápice de sua canastrice), bandidão responsável por deixá-lo atrás das grades. Após tomar-lhe uma bolada em dinheiro no jogo, Green é jurado de morte pelo gangster. Porém, duas misteriosas figuras se mostram dispostas a protegê-lo, envolvendo-o em uma trama rocambolesca.
‘Jogos, Trapaças...’ e ‘Snatch’ eram tão divertidos porque o diretor imprimia neles uma irresponsabilidade quase adolescente. Sua gama de personagens era um apanhado da fauna dos subúrbios de Londres e caricaturas de vilões cinematográficos, com seus estereótipos, frases feitas e estilismos. Os diversos personagens eram amarrados uns aos outros através de situações que beiravam o absurdo, diálogos recheados de ironia e um humor quase cartunesco. Pena que em ‘Revólver’ Guy Ritchie parece ter se tornado adulto, querendo mostrar que cresceu e amadureceu.
Um dos motivos para essa transição talvez seja a parceria com o francês Luc Besson, um dos pioneiros do cinema com ares publicitários, que há muito esqueceu seu frescor juvenil. Apesar de construir a trama no mesmo universo de banditismo, o diretor tenta renovar a fórmula, tornando seus personagens mais sérios e complexos. O sarcasmo e o humor são deixados de lado, dando lugar a jogos psicológicos e reviravoltas à la David Lynch.
Durante boa parte do filme a estratégia até funciona e envolve o espectador, mas os excessos e a megalomania de seu diretor conduzem para um desfecho frustrante. Que a separação da diva pop sirva ao menos para devolver a Guy Ritchie a irreverência e a despretensão que fizeram dele um cineasta inovador.

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