sábado, 12 de março de 2011

O discreto charme da bandidagem


Desde que o cinema é cinema, ou melhor, antes mesmo que ele existisse, já havia mocinhos e bandidos. Como representação do bem que vence o mal, a humanidade aprendeu a se identificar e torcer para os mocinhos, que permitem ao menos vivermos a sensação de que estamos seguros, que sempre haverá alguém para nos proteger. Mas também existem bandidos simpáticos e o cinema adora eles. Pessoas más, que andam fora da lei, são uma ameaça à sociedade, mas guardam em si algumas peculiaridades que chegam a ser objeto de admiração. Na vida real, John Dillinger tinha um pouco disso: foi um dos maiores ladrões de banco da história dos Estados Unidos, mas tinha um carisma tão grande que se tornou uma espécie de ídolo.
Como disse anteriormente, o cinema adora personagens assim e, como não poderia deixar de ser, Dillinger ganhou as telas no recente ‘Inimigos Públicos’, dirigido pelo competente Michael Mann. Anteriormente, o bandidão já havia sido levado ao cinema em duas produções com o mesmo nome, ‘Dillinger’, a primeira de 1945 e a segunda de 73. Como se pode perceber, a história é tão cativante que despertou o interesse de três gerações de cineastas.
Para Michael Mann, que sempre gostou de um conflito acirrado entre heróis e vilões (vide ‘Fogo Contra Fogo’, ‘Colateral’ e ‘Miami Vice’), a história de John Dillinger era um prato cheio. Até porque em seu encalço esteve um esquadrão policial que acabou dando origem ao FBI, a principal instituição de combate ao crime organizado dos Estados Unidos. Dessa vez, porém, a linha divisória entre heróis e vilões é muito mais tênue, chegando a desaparecer em alguns momentos. Nessa rejeição a um tratamento maniqueísta reside um dos trunfos de ‘Inimigos Públicos’.
Para viver Dillinger, o diretor não poderia ter escalado alguém com mais carisma para incorporá-lo: Johnny Depp, que imprime um charme ao personagem ao qual é impossível não nutrir simpatia. Logicamente, o roteiro romanceia sua trajetória, mas suas principais marcas estão presentes: o apego ao luxo, a vaidade e a audácia, que chegava ao limite de circular tranquilamente entre policiais, sem ser reconhecido. Isso sem contar a diretriz de roubar sempre dos banqueiros, jamais tirando dinheiro do cidadão comum, o que o consagrou como uma espécie de Robin Hood.
Na sua caça está o policial Melvin Purvis (Christian Bale), cuja obsessão em capturar o bandido faz com que ele organize um grupo especial de repressão ao crime. Em uma época em que a polícia está manchada pela corrupção, sua iniciativa acaba se tornando um marco. A partir daí, Mann faz aquilo que melhor sabe levar às telas: um jogo de gato e rato, intimista apesar das proporções, conflitando não apenas o bem e o mal (pois afinal, quem é quem?), mas personalidades e índoles.
Ah, sim, ainda há uma história de amor, de Dillinger com a aventureira Billie Frechette (a francesa Marion Cotillard). Um pouco inverossímil, o romance não tem o carisma necessário à trama, mas se justifica pela importância no seu desfecho. Com fotografia e direção de arte primorosas, ‘Inimigos Públicos’ é um passo avantajado na carreira de um diretor que tem tudo para atingir o primeiro escalão.

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