quinta-feira, 17 de março de 2011

Corações em sintonia



Se existe algo que nos faz iguais por excelência, é o tempo. Sejamos ricos ou pobres, gênios ou mentecaptos, belos ou horrendos, o relógio corre da mesma maneira para todos. Os anos passam e com eles vão decaindo o vigor físico, as qualidades estéticas, a fluidez do raciocínio, entre outras virtudes. Nas artes, os efeitos do tempo não raro se mostram cruéis, transformando quem um dia foi talentoso em uma caricatura de si mesmo. Por isso, é tão gratificante ver alguém que já ultrapassou uma barreira etária manter a desenvoltura e seguir ativamente fazendo jus ao status que lhe foi conferido. Alain Resnais, por exemplo. Do alto de seus 85 anos, o diretor francês ainda é capaz de nos presentear com obras como ‘Medos Privados em Lugares Públicos’.
Para aqueles que desconhecem a história e a obra de Alain Resnais, basta dizer que foi um dos principais nomes da Nouvelle Vague, o movimento nascido na França que revolucionou a produção cinematográfica. Autor de clássicos como ‘Hiroshima Meu Amor’ (1959) e ‘O Ano Passado em Marienbad’ (1961), sempre tratou de relacionamentos humanos com uma poesia única. Aos poucos foi perdendo sua popularidade (não que tenha sido um cineasta popular), o que não o inibiu a manter uma carreira profícua, sem grandes intervalos.
‘Medos Privados em Lugares Públicos’ é a continuidade de uma parceria iniciada em 1989, quando o diretor conheceu o dramaturgo inglês Alan Ayckbourn. A aproximação iniciada pela cumplicidade artística se transformou em amizade e resultou na adaptação cinematográfica da peça ‘Intimate Exchange’, em 1993, que na tela se tornou ‘Smoking/No Smoking’. Seu novo filme também é adaptado de uma montagem do inglês, que, assim como Resnais, gosta de narrar relacionamentos, seus prazeres e dissabores.
Numa Paris coberta de neve, vivem seis personagens: Dan (Lambert Wilson) é um ex-militar desempregado, que vive uma crise com a noiva Nicole (Laura Morante). Ele passa as noites a beber no bar de um hotel, tendo como interlocutor o barman Lionel (Pierre Arditi), que tem de cuidar do pai doente. Ela procura um novo apartamento para morar, orientada pelo corretor de imóveis Thierry (André Dussollier). Este último, por fim, divide o escritório com a religiosa Charlotte (Sabine Azemá) e a casa com a irmã Gaëlle (Isabelle Carré).
Primeiramente, o diretor nos descortina o universo de seus personagens, tanto o interior como o exterior. São pessoas de classe média alta, independentes financeiramente e mais ou menos bem-sucedidas. Em comum, porém, todas partilham de uma estranha solidão, um vazio a ser preenchido por algo que ainda não sabem exatamente do que se trata. O carinho e a ternura com que Resnais olha seus personagens fazem com que não sintamos apenas melancolia, mas um estranho apego, simpático e esperançoso.
Os caminhos dos seis personagens se entrecruzam, mas não da maneira forçosa como o cinema norte-americano se acostumou a nos mostrar. As relações se desenvolvem com fluidez, paciência e uma cativante poesia visual e textual. Quando damos conta, estamos todos compartilhando a sensação de ‘tão longe, tão perto’ que o mundo cotidiano nos impõe. Ainda bem que temos Resnais a nos conduzir.

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