domingo, 20 de março de 2011

O melhor filme de 2010


Estamos adentrando o mês de março de 2011, mas ainda é tempo de falar sobre o melhor filme de 2010, que, a propósito, foi lançado internacionalmente ainda em 2009. Pouco importa. O que interessa é que o francês ‘O Profeta’ é, sem exagero algum, uma das produções mais arrebatadoras dos últimos anos. Daquelas obras únicas, que nos fazem reforçar a crença no cinema, de que em um cenário cada vez mais repetitivo e menos surpreendente, ainda é possível sair extasiado de uma projeção.
Sob a direção de Jacques Audiard, pouco conhecido em telas brasileiras, ‘O Profeta’ emerge de dois lugares comuns, dos dramas prisionais e dos filmes de gângsteres. Malik El Djebena (o ator Tahar Rahim, que colecionou prêmios com sua interpretação) é um jovem francês de origem árabe que vai parar na cadeia por motivos obscuros. Reservado, é um ‘zé ninguém’ a cair em um covil dominado por bandidos das mais diversas estirpes.
Um desses bandidos é o córsico César Luciani (Niels Arestrup), chefão que comanda boa parte do presídio e que delega uma missão a Malik: assassinar um rival que também está preso. O jovem cumpre a tarefa e passa a trabalhar para Luciani e seu bando. Aos poucos, vai aprendendo a se virar dentro da cadeia, administrar interesses e até mesmo gerir seus próprios negócios. Se para os administradores carcerários seu comportamento é exemplar, para a atividade criminal é um artifício e tanto a seu favor.
No cinema norte-americano, ou mesmo no brasileiro, esse seria o mote para uma enxurrada de clichês. O diretor francês, porém, consegue partir de um tema chavão para uma narrativa grandiosa, que vai envolvendo o espectador gradativamente, com um tom ao mesmo tempo realista e épico. Ou seja, não se perde no didatismo e no sentimentalismo dos dramas carcerários, nem descamba para a espetacularização dos filmes de máfia e gângsteres.
Para uma trama policial, há realismo excessivo em ‘O Profeta’. Seja nas condições do cárcere em que Malik se encontra, subordinado aos desmandos de criminosos e segmentado etnicamente, ou na cena de seu primeiro assassinato, de uma crueza aterradora. A diferença é que isso não é feito apenas para chocar ou teorizar, é simplesmente a realidade em que os personagens se desenvolvem. O tratamento de choque nesse caso vem reforçar uma narrativa eletrizante, tensa quando deve ser, contemplativa se necessário e acelerada nos momentos precisos.
‘O Profeta’ é, ao mesmo tempo, um retrato alarmante do sistema prisional francês (e por que não dizer universal?), um drama humanista e um envolvente filme policial. Não há violência estilizada ou glorificação da criminalidade. Há até mesmo um toque de surrealismo, com as aparições constantes do criminoso assassinado por Malik e a curiosa situação que dá nome ao filme. A habilidade com que o diretor Jacques Audiard conseguiu conciliar todas essas vertentes sem perder a mão, construir sequências impressionantes e prender a atenção ininterruptamente por cerca de duas horas e meia faz com que seu filme já seja um marco nesse decadente final de década. E renova nossa esperança no cinema, de que o talento há de se impor sobre a mediocridade.

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