quinta-feira, 24 de março de 2011

Melancolia e maternidade



Para alguns, talvez essa não seja a época mais adequada para falar de ‘Rio Congelado’. Em pleno período de festas de fim de ano, ainda sob o efeito do tal espírito natalino e na expectativa do festival de fogos do réveillon, falar sobre um filme melancólico, que trata de alguns dos piores dramas humanos não é lá muito palatável. Mas se você é como eu, não está nem aí para isso e procura apenas bom cinema, siga em frente. Até porque ‘Rio Congelado’ é cinema de primeira linha, independente, modesto em suas ambições, mas grandioso em seu conteúdo.
O filme foi revelado na Meca do cinema independente, o Festival de Sundance de 2008, onde recebeu o Grande Prêmio do Júri, cumprindo todos os seus pré-requisitos básicos. Na direção e no roteiro está uma estreante, Courtney Hunt. O elenco, pouco numeroso, é encabeçado por atrizes pouco conhecidas, Melissa Leo (cuja participação mais marcante que me recordo foi em ’21 Gramas’) e Misty Upham. A história, por sua vez, é calcada em personagens desajustados e na temática social, cujas dimensões são bem maiores do que aparentam.
Ray (Melissa Leo) é uma mãe de dois filhos que vive em uma região gelada na fronteira dos Estados Unidos com o Canadá. Recém-abandonada pelo marido, não consegue pagar as contas a ponto de estar na iminência de perder a televisão. Lila (Misty Upham) é uma descendente de índios mohawk, que vive de atravessar imigrantes ilegalmente pela fronteira. Circunstâncias levam as duas a se encontrar e se unir no negócio em busca de dinheiro. A travessia do rio congelado, que serve como rota alternativa ao país vizinho, ganha um significado cada vez mais marcante na vida das duas mulheres.
Acima de tudo, ‘Rio Congelado’ é um drama sobre maternidade. Ray é uma mãe em estado de desespero, que quer apenas poder alimentar os filhos decentemente e conseguir uma sonhada casa nova para a família. Lila, por sua vez, teve o pequeno filho tirado pela avó paterna. O extremo ao qual as duas chegam nada mais é do que uma tentativa de compensarem suas falhas, demonstrar amor e exorcizar a figura paterna, ausente em todo o filme.
O tratamento impresso pela diretora não alivia o espectador. Há um tom de melancolia predominante desde os primeiros minutos, reforçado pelo clima inóspito do cenário. Não há soluções visíveis e, quando elas se delineiam, surge algum evento para desestabilizar. Apesar disso, o filme não cai no piegas, não apela ao sentimentalismo barato. Ao invés de tratar suas personagens como coitadinhas, Courtney Hunt lhes injeta força, que às vezes parecer vir do sobrenatural. E no túnel da desesperança ainda é possível avistar uma luz.
‘Rio Congelado’ é o produto do esforço de três mulheres, a diretora e suas duas protagonistas. Em especial Melissa Leo, que tem uma interpretação de encher os olhos, exalando sofrimento e disposição. Assisti-lo é como encarar a travessia das personagens, experimentando os riscos de uma aventura incerta, mas com a esperança de que no outro lado ainda existe um futuro recompensador.

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