sexta-feira, 18 de março de 2011

Olhar infantil, cinema de gente grande



Se nas bilheterias o saldo de 2006 para o cinema brasileiro foi pouco animador, pode-se dizer exatamente o contrário em termos de qualidade das produções. Após um período de marasmo e pouca criatividade, o ano que passou trouxe obras representativas, que parecem ter dado um novo frescor à cinematografia nacional. Nesse rol é possível citar ‘A Máquina’, ‘Cidade Baixa’, ‘Cinema, Aspirinas e Urubus’ e ‘O Céu de Suely’. Mas de todos, o que mais me encheu os olhos e a mente foi ‘O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias’, talvez um dos mais completos filmes produzidos no Brasil nos últimos anos.
Tamanho entusiasmo se justifica por uma série de qualidades presentes no filme dirigido por Cao Hamburger (cuja experiência anterior no cinema era o longa ‘Castelo Rá-Tim-Bum’), mas que podem ser resumidas em uma única expressão: cinema de qualidade para as massas. ‘O Ano...’ consegue ser popular sem apelar à estética televisiva. Consegue ser inteligente sem entediar o espectador. Consegue emocionar e divertir sem apelar para o novelesco.
O ano é 1970. Mauro (o ator mirim Michel Joelsas) é deixado aos cuidados do avô pelos pais, que se limitam apenas a dizer que estão saindo de férias. É mais que evidente que o casal está fugindo da perseguição da ditadura militar. Antes de receber o neto, o avô sofre um infarto e morre, levando Mauro a ficar sob a responsabilidade de Shlomo (Germano Haiut), um velho judeu mal-humorado. Aos poucos o garoto vai se enturmando com a nova comunidade, em especial com a menina Hanna (Daniela Piepszyk), enquanto sonha com o retorno dos pais antes da final da Copa do Mundo.
Primeiro grande mérito do diretor: fazer um filme sobre a ditadura sem a costumeira panfletagem do cinema nacional. Não são necessários discursos supostamente ‘cabeça’ sobre guerrilha ou repressão para que o espectador se situe. O olhar assumido pelo cineasta é o de uma criança, que pouco ou quase nada entende do que está acontecendo ao seu redor. Para Mauro, o que importa é ter seus pais de volta e ver a seleção brasileira tricampeã mundial de futebol. É um pouco como no desenho animado ‘Snoopy’, no qual os diálogos dos adultos eram substituídos por um engraçado e ininteligível ‘blablablá’.
Segundo acerto: não se render à estética televisivo-publicitária. A fotografia de Adriano Goldman é primorosa, num estilo pouco utilizado no cinema nacional. Ao invés de explorar as cores e a forte luminosidade, como se tornou freqüente nos filmes brasileiros, ele opta por tons opacos. Aliado à excelente direção de arte, o resultado é um tratamento mais sóbrio, por vezes até melancólico, mas que acaba por criar uma atmosfera própria, como se fosse parte da história e do universo dos personagens.
Por fim, é impossível deixar de destacar o trabalho da dupla de atores mirins, que se constituem na alma do filme. Num misto de espontaneidade e talento, os dois conseguem com uma naturalidade impressionante arrancar risos e despertar ternura na mesma medida. É mais ou menos uma síntese do que é ‘O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias’: inteligente, emocionante, divertido, belo. Um sopro de vida no cinema nacional.

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