sexta-feira, 25 de março de 2011

Admirável mundo trash



De tempos em tempos, a rotina do cinema norte-americano é quebrada por algum evento extraordinário. Por razões que a razão desconhece, algum filme de baixo orçamento aparece do nada, sem publicidade oficial, estoura nas bilheterias e se torna fenômeno mundo afora. No ano passado a bola da vez foi ‘Serpentes a Bordo’, um filme assumidamente trash, que conquistou espectadores nos cinemas e chega às locadoras já com uma certa aura ‘cult’. Depois de assisti-lo, só pude chegar a uma justificativa para tamanho alarde: 105 minutos de diversão pura.
A história é uma mistura de filme-catástrofe, terror B e ação de quinta categoria. Do Havaí, o policial Neville Flynn (Samuel L. Jackson) embarca num avião rumo aos Estados Unidos com a missão de escoltar um jovem que é a testemunha-chave do assassinato de um figurão. O que ele e os demais passageiros do voo não imaginavam era a estratégia dos bandidos para eliminar a testemunha: infestar o avião com centenas de cobras venenosas. Em síntese, tudo não passa de mero pretexto para que se inicie um festival de ataques ofídicos das mais diversas espécies.
Com essa premissa o diretor David R. Ellis reaviva um gênero que foi bastante popular em décadas passadas: os filmes de animais peçonhentos. Durante um bom tempo, plateias se aterrorizavam e se divertiam vendo populações serem dizimadas por ataques massivos de aranhas, formigas e escorpiões, entre outras criaturas em tamanho natural ou agigantadas. Hoje, quando os espectadores são muito menos impressionáveis, as serpentes de Ellis arrancam mais risos do que sustos.
Mas então, o que faz ‘Serpentes a Bordo’ ser tão mais interessante que dezenas de outras produções semelhantes que infestam as videolocadoras? O fato de não ser pretensioso a ponto de se levar a sério. Durante todo o filme fica evidente que a intenção do diretor é brincar com o absurdo, criar momentos de tensão para em seguida fazer a plateia rir. Mesmo a reciclagem de velhos clichês funciona como um jogo de cena, de modo a incentivar o espectador a entrar na brincadeira.
As cobras toscamente produzidas no computador já remetem ao caráter involuntariamente fake dos filmes B. Numa sucessão de cenas bizarras, os animais atacam passageiros e tripulação das mais diversas e hilárias maneiras. E nem é preciso dizer que os transtornos causados pelos bichinhos colocam o avião em risco, dessa vez lembrando a famosa série ‘Aeroporto’, que na década de 70 causava pânico em quem tinha de viajar por meio aéreo.
Em meio a toda essa balbúrdia, é impossível deixar de citar Samuel L. Jackson, um grande ator, mas que tem a incrível capacidade de escolher mal seus filmes. Talvez essa intuição tenha levado-o a estrelar ‘Serpentes a Bordo’ e, por ironia do destino, acertado na escolha. Jackson tem toda a canastrice necessária para o papel, às vezes até parecendo fazer uma auto-ironia a seus personagens anteriores.
Você já deve ter ouvido aquela máxima de que, às vezes, um filme é tão ruim que chega a ser bom. ‘Serpentes a Bordo’ talvez tenha sido o melhor pior filme do ano passado. Simplesmente porque, mais do que ruim, é um filme honesto, que não pretende enganar ninguém tentando se passar por cabeça. Se estiver a fim de simplesmente se divertir, pode embarcar.

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