segunda-feira, 25 de abril de 2011

Divertido, mas não genial


O grande problema de se atingir a genialidade é que, a partir deste ponto, você perde o direito de ser apenas bom. Veja o caso de Woody Allen, um dos cineastas mais profícuos da atualidade. Assim como o especial de Roberto Carlos na Rede Globo, é regra todos os anos o cineasta entregar algum produto novo a seus fãs. E aí vêm aqueles comentários: ‘ah, ele não é mais o mesmo’, ‘o filme anterior era melhor’, ‘não é ruim, mas nem se compara a...’ e assim vai. É o peso de se estabelecer um padrão Woody Allen de qualidade. ‘Tudo Pode Dar Certo’, por exemplo, está abaixo desse padrão, mas ainda está acima do nível médio da produção atual. Ou seja, nem de longe é um filme a ser desprezado.
Reconheço que estou um pouco defasado na avaliação. ‘Tudo Pode Dar Certo’ é de 2009, chegou aos cinemas brasileiros há aproximadamente um ano e está disponível em DVD desde o final do ano passado. Seu último filme, ‘Você Vai Conhecer o Homem de Seus Sonhos’, já foi lançado no Brasil e em junho chega ‘Meia-Noite em Paris’, com a primeira-dama francesa Carla Bruni. Porém, não poderia deixar esta produção passar em branco por conter uma peculiaridade: é um breve retorno de Allen a Nova York, cidade onde deixou de filmar há alguns anos e que está incorporada à sua vida pessoal e cinematográfica.
Além disso, a produção era aguardada com expectativa por reunir dois pesos pesados do humor: o próprio Allen e Larry David, co-criador da cultuada série ‘Seinfield’. O resultado não poderia ser outro senão uma peça de raro humor, carregada de acidez, cinismo e inteligência. David é Boris Yellnikoff, um físico sessentão que é tudo o que não se espera de um protagonista tradicional: feio, mal-humorado, crítico, pedante, grosseiro e anti-social. Só mesmo um ator do porte de Larry David para fazer com que alguém assim tenha carisma com o espectador.
Um dia, aparece na porta de sua casa Melody Celestine (Evan Rachel Wood), uma jovem vinda do interior que é exatamente o oposto de Boris: ingênua, descerebrada, frágil e cândida. Woody Allen exercita então aquela que é uma de suas especialidades, desenvolver relacionamentos improváveis. Uma estranha química nasce entre os dois e faz com que acabem se casando. Com a habilidade tradicional de seus roteiros, o diretor consegue tornar o envolvimento natural para seus personagens e para a plateia, que ganha outros atrativos com a entrada em cena dos pais e de um novo pretendente para Melody.
O que de melhor existe em ‘Tudo Pode Dar Certo’ é mesmo Larry David. Nada sutis, suas tiradas são impagáveis e não poupam ninguém. Amigos, a esposa, os sogros, crianças e o próprio público, a quem o personagem se dirige em determinados momentos, não escapam ilesos. De resto, é uma reciclagem daquilo que Woody Allen explorou ao longo de sua carreira, com algumas situações inspiradas, outras nem tanto. Se formos comparar com ‘Annie Hall’, ‘Manhattan’, ‘Hannah e Suas Irmãs’ e outras obras-primas do diretor, claro que o sentimento é de decepção. Mas se olharmos simplesmente como uma boa comédia, não há do que reclamar.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

No coração financeiro



Oliver Stone é uma espécie de Michael Moore da ficção. Esquerdista assumido, é um crítico da política norte-americana desde os tempos em que ser do contra ainda não era moda nos Estados Unidos. Com algumas exceções, seus filmes sempre têm aquele viés político que às vezes faz a diferença, mas que em outras incomoda por fazer o espectador sentir uma tentativa de manipulação. ‘Wall Street – Poder e Cobiça’, de 1987, se tornou emblemático por mergulhar em um universo até então pouco inexplorado no cinema, o da bolsa de valores e dos tubarões do mercado financeiro. Digamos que era uma fábula anticapitalista com toques de incorreção política.
‘Wall Street’ acabou se tornando uma referência por ser um retrato da era yuppie e apresentar um anti-herói dessa geração, o inescrupuloso Gordon Gekko, vivido com maestria por Michael Douglas. A grave crise econômica que assolou o mundo inteiro há cerca de três anos foi o mote perfeito para que Oliver Stone ressuscitasse seu personagem e voltasse ao coração financeiro do mundo. Treze anos depois, ‘Wall Street – O Dinheiro Nunca Dorme’ já não tem o impacto do primeiro filme, mas tem seus méritos ao tentar mergulhar no epicentro do furacão que devastou boa parte da economia mundial e ainda faz alguns de seus ecos reverberarem planeta afora.
Preso ao final do primeiro filme por usar de informações confidenciais para enriquecer, Gekko (novamente vivido por Michael Douglas) deixa a prisão com status de celebridade. Fora do circuito financeiro, ganha a vida com palestras motivacionais e um livro sobre a experiência no mercado de valores. Mas o personagem central dessa vez é outro: Jacob (Shia LaBeouf), um promissor corretor que namora a filha de Gekko (Carey Mulligan). Ao se aproximar do futuro sogro, o rapaz se torna seu pupilo e vê a chance de catapultar sua carreira trabalhando para Bretton (Josh Brolin), que vem a ser o vilão da história.
Como se percebe, Gekko agora é um personagem secundário na narrativa, o que não diminui sua importância. Isso ilustra a preocupação evidenciada por Stone em sua nova empreitada, de evitar que se repetisse o que aconteceu com o primeiro ‘Wall Street’: ao invés de servir de anti-exemplo, consagrou como ídolo uma figura politicamente incorreta. Por isso, a preocupação em mostrar sua criatura regenerada, colocar como protagonista um jovem ambicioso, mas preocupado com uma boa causa (o meio ambiente), e definir claramente quem são os heróis e os vilões.
É justamente esse pragmatismo que tira um pouco da força de ‘Wall Street – O Dinheiro Nunca Dorme’. A boa narrativa é prejudicada pelo maniqueísmo que insiste em indicar onde estão os culpados pela bancarrota e os idealistas com suas doces intenções. Sendo bem direto, falta malícia, acidez, falta um pouco de canalhice. Mas, apesar disso e da trama familiar que às vezes emperra o bom andamento do filme, Stone conseguiu produzir um retrato interessante do mundo financeiro pré, durante e pós-crise. Ajuda-nos a enxergar um pouco melhor o que andam fazendo com nosso suado dinheirinho.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

10 filmes para não ver



Só existe uma coisa tão boa quanto ver um filme arrebatador: falar mal de um filme ruim. Tem gente que me pede indicações do que ver, ‘o que você recomenda?’, etc. Após uma frustrada sessão dia desses, achei mais interessante fazer o inverso: apontar que filmes eu não recomendo entre os vistos ao longo dos últimos meses. Em todo caso, é aquela velha história, de que gosto cada um tem o seu. Mas, de qualquer maneira, não digam que eu não avisei...

Um Homem Misterioso, Anton Corbijn
A sinopse promete: George Clooney é um criador de armas que, antes de se aposentar, parte para o último trabalho e se envolve com uma garota. De repente, se vê em uma armadilha. O problema é que não acontece absolutamente nada durante os seus 100 intermináveis minutos. Ótimo remédio para insônia.

Tron, o Legado, Joseph Kosinski
Antes de ver, pensei: ‘ok, o roteiro não interessa, o que vale no filme é o visual’. Efeitos chinfrins, um 3D fajuto e o que sobrou? Tédio, desgosto e a vontade de acionar o Procon.

Santuário, Alister Grierson
Nesse caso, o 3D ainda salvou alguma coisa. De resto, o maior amontoado de clichês dos últimos tempos. Tudo o que você já viu em uma montanha, na erupção de um vulcão ou numa invasão alienígena, só que debaixo d’água.

Uma Noite Fora de Série, Shawn Levy
Steve Carrell às vezes é engraçado. Não é o caso aqui. Atuações exageradas, gags sem graça, sequências de perseguição cansativas e uma química forçada com a protagonista feminina, Tina Fey (quem?).

Enterrado Vivo, Rodrigo Cortés
90 minutos com um cara preso dentro de um caixão. De onde eu tirei que isso poderia render alguma coisa boa?

Os Famosos e os Duendes da Morte, Esmir Filho
Tudo bem que é preciso fugir aos padrões do cinema nacional globalizado, mas essa coisa de extensos planos silenciosos, diálogos balbuciados, imagens desconexas, abstrações, narrativa não convencional... zzzzzzzz....

Abraços Partidos, Pedro Almodóvar
O filme já tem algum tempo, mas é só pelo prazer de incluir um Almodóvar na lista. A meu ver um cineasta superestimado, que fez uns três filmes ótimos e outros tantos chatíssimos. No caso deste ‘Abraços Partidos’, até ‘Insensato Coração’ consegue ser menos xaroposa.

Fora de Controle, Barry Levinson
Nem me lembro mais quando foi a última vez que Robert de Niro fez um filme decente. Nem Barry Levinson, um diretor bacana até, conseguiu salvar essa pretensa comédia sobre os bastidores do cinema, que resulta sem pé nem cabeça.

400Contra1, Caco Souza
Fernando Meirelles e ‘Cidade de Deus’ estão para o cinema brasileiro como Quentin Tarantino e ‘Pulp Fiction’ estão para os cineastas modernetes. Suas crias são inúmeras, uns com imitações mais constrangedoras que outras. Aqui, só faltou a cena da galinha.

De Pernas Pro Ar, Roberto Santucci
Se é bom ou ruim? Não sei. Só sei que a única maneira de eu assistir a uma comédia da Globo Filmes estrelada pela Ingrid Guimarães é sob a mira de soldados Taleban.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Pedantismo versus humanismo



Na edição do Oscar deste ano, muitos brasileiros (confesso que eu, inclusive) ficaram na torcida pelo documentário ‘Lixo Extraordinário’. Ainda que se trate de uma produção estrangeira, o filme está diretamente ligado ao Brasil por enfocar o trabalho de um dos principais artistas plásticos do País, Vik Muniz, em uma comunidade do Rio de Janeiro. O filme saiu da premiação de mãos abanando (foi derrotado por ‘Trabalho Interno’, que trata da crise econômica mundial) e, após assisti-lo, vejo que o resultado foi justo. Não pelos méritos do vencedor, que ainda não vi, mas pelos problemas de ‘Lixo Extraordinário’, uma produção questionável sob todos os aspectos.
Resultado de um trabalho de dois anos, o filme nasceu da proposta de Vik Muniz em realizar uma obra que pudesse envolver e transformar alguma comunidade carente. O local escolhido foi o Jardim Gramacho, em Duque de Caxias (RJ), onde está aquele que é considerado o maior lixão da América Latina. A idéia era retratar os personagens que vivem no local, tirando seu sustento do material reciclável, através de imagens reproduzidas com esse tipo de produto. O documentário acompanha desde a concepção do projeto até o seu resultado final, quando um quadro é vendido em Londres a cifras milionárias.
O incômodo causado por ‘Lixo Extraordinário’ se revela logo em sua abertura. É exibido o trecho de uma entrevista do artista plástico no programa de Jô Soares, onde se resume a importância do protagonista a ser apresentado, um brasileiro consagrado internacionalmente. Na sequência, vemos Vik, sua esposa e seu assistente, todos brasileiros, conversando em inglês sobre o projeto que pretende “transformar” uma realidade. É como a Liga da Justiça discutindo em que buraco do terceiro mundo eles vão dar exemplo de salvadores da humanidade.
Mais do que ser apresentado pelo documentário como um super-herói, o próprio artista plástico demonstra acreditar nessa ideia. Os primeiros contatos com a comunidade do lixão reforçam essa sensação de petulância e pedantismo, que faz com que os primeiros minutos do filme se assemelhem mais a um produto do chamado “marketing social” do que um documentário cinematográfico. Somente a partir da entrada dos catadores, os verdadeiros personagens da história, é que o filme cresce e ganha contornos de cinema.
Tião, o articulado líder comunitário, Isis, a vaidosa catadora que não gosta de sua atividade, Suelem, a esforçada mãe, e Zumbi, o intelectual autodidata, são alguns dos personagens que enchem a tela com seu carisma e suas histórias de vida. Quando eles estão no comando da narrativa, o filme se mostra um documentário forte, bem estruturado e carregado de humanidade. Porém, ao mesmo tempo em que acompanha a transformação sofrida pela intervenção artística, não se aprofunda nas reais consequências que isso trará para suas vidas. 
Uma das explicações para ‘Lixo Extraordinário’ ser um filme tão irregular pode estar no fato de que, ao longo dos dois anos em que foi rodado, passou pelas mãos de três diretores: a inglesa Lucy Walker e os brasileiros João Jardim e Karen Harley. Entre erros e acertos, vale como um retrato um tanto superficial da problemática do lixo, mas potencializado pela riqueza de seu material humano.

domingo, 3 de abril de 2011

Simples, mas eficaz


Toda pessoa nasce com algum talento. Que pode não ser aquele que acreditamos ser, mas que em algum lugar está lá adormecido e há de despertar uma hora ou outra. Veja o caso de Ben Affleck. Apesar da fama, é ponto pacífico que se trata de um ator sofrível. Mas quando ele decidiu ir para trás das câmeras, vimos surgir um nome promissor na direção. ‘Medo da Verdade’, seu primeiro trabalho, era um thriller competente, porém, reconhecido apenas pela crítica. Agora, com ‘Atração Perigosa’, a sorte lhe sorriu. Além da afirmação reconhecida pelos críticos, o público também respondeu à altura e por pouco o filme não esteve entre os principais indicados ao Oscar.
A despeito do clichê adotado pelos distribuidores brasileiros, o original ‘The Town’ (a cidade) é um título bem mais poderoso e revelador do conteúdo presente no filme de Affleck. A cidade em questão é Boston, tida pelo ator-diretor tão importante como é Nova York para Martin Scorsese. O foco é o bairro de Charlestown, anunciado já na abertura como um proeminente reduto de ladrões de banco. Um desses ladrões é Doug McRay (o próprio Affleck), cérebro de uma articulada gangue local.
O grupo tem suas ações cuidadosamente calculadas, o que não impede que no assalto que abre o filme ele seja surpreendido pela polícia. O imprevisto obriga a gangue a levar uma funcionária do banco (Rebecca Hall) como refém e libertá-la minutos depois. O que ninguém esperava era que a garota fosse vizinha dos bandidos, obrigando-os a monitorá-la para evitar que sejam descobertos. Doug se aproxima da moça, se envolve com ela e entra em conflito com o temperamental James, amigo e comparsa (Jeremy Renner, indicado ao Oscar de melhor ator coadjuvante).
Baseado no livro ‘O Príncipe dos Ladrões’, de Chuck Hogan, ‘Atração Perigosa’ se apoia em alguns clichês conhecidos do cinema policial: o bandido dividido entre o crime e a paixão, o esquentadinho que pode colocar tudo a perder, os investigadores cheios de artimanhas. Apesar de não ter uma ideia original em mãos, Affleck conduz a trama com bastante eficiência, dosando ação, suspense, romance e conflito psicológico na medida certa. É mais ou menos o que já havia alcançado em ‘Medo da Verdade’, mas agora com um roteiro mais consistente e um tratamento mais maduro.
Guardadas as devidas proporções, Ben Affleck tem um pouco do estilo de Clint Eastwood. Ao assumir que sua intenção era fazer um filme de gângster, no estilo daqueles produzidos na década de 30, o diretor usou de um enredo convencional, mas no qual soube valorizar seus detalhes. Seu mérito maior está em transformar situações aparentemente banais em sequências que envolvem o espectador. Amarrando esses fragmentos um a um, ele consegue compor um todo eletrizante, com poucos sobressaltos.
Com um roteiro eficiente e belas sequências de ação, ‘Atração Perigosa’ mostra um diretor em evolução, que demonstra saber o que quer, sem exagerar na pretensão. Bem orientado e sabendo amadurecer, tende a consolidar uma carreira bem mais sólida do que como intérprete.