quinta-feira, 24 de março de 2011

Triste consagração



Depois dos irmãos Coen em 2008, o céu chegou para outra cria do cinema independente em 2009. Responsável por conquistar uma geração com ‘Trainspotting’, em 1996, o escocês Danny Boyle foi o grande vencedor do Oscar deste ano. Um diretor para quem estabilidade não é seu forte. Com poucos recursos e atores desconhecidos, fez ótimos filmes como ‘Extermínio’ e ‘Caiu do Céu’. Cercado por astros e com orçamentos mais polpudos, dirigiu as bombas ‘Por uma Vida Menos Ordinária’ e ‘A Praia’. Parece ser um cineasta cujo talento é inversamente proporcional à responsabilidade que lhe é delegada. O que talvez justifique a consagração através de um filme tão ruim quanto ‘Quem Quer Ser um Milionário?’.
Pode-se dizer que ‘Milionário’ nasceu de uma excentricidade do diretor. Sem jamais ter pisado na Índia, Boyle topou rodar um filme integralmente naquele país, com atores nativos e falado, quase em sua totalidade, em híndi, o idioma local. A tarefa era adaptar o livro ‘Sua Resposta Vale um Milhão’, do escritor indiano Vikas Swarup, que retrata a trajetória de um jovem nascido na favela que, por talento ou obra do destino, está prestes a se tornar um milionário.
Esse jovem é Jamal, que no início do filme aparece em um dos mais famosos programas da televisão indiana, cuja fórmula originou no Brasil o extinto ‘Show do Milhão’, comandado por Sílvio Santos. Como todos sabem, um quiz show de perguntas e respostas no qual o vencedor ganha a bolada de um milhão. Através de flashbacks, o filme vai revelando ao espectador como um garoto pobre e sem estudos chegou ali, se trapaceando, por sorte ou realmente por méritos próprios.
Essa história se resume a um apanhado de clichês que coloca o garoto em uma verdadeira via sacra, passando por uma provação a cada momento da vida. Os pais assassinados, a casa incendiada, a queda nas mãos de criminosos exploradores de crianças, a sobrevivência através da malandragem: são algumas das situações às quais o diretor expõe seu pequeno personagem, em tentativas de provocar choque e compaixão, não sem causar constrangimento ao tentar arrancar risos.
Mas ‘Quem Quer Ser um Milionário?’ é, no fim das contas, um conto de fadas contemporâneo. E, como tal, precisa ter também um romance como fio condutor. A paixão de Jamal é Latika, garota que conhece ainda na infância e passa por agruras semelhantes. Os encontros fortuitos, sempre prejudicados por alguma circunstância do destino, são usados por Boyle para alimentar a história do amor impossível. O que poderia ser um atenuante, porém, também cai no senso comum, se tornando tão previsível quanto enfadonho.
Mesmo fazendo de ‘Milionário’ uma produção quase indiana, Danny Boyle não escapa da armadilha de mover sua câmera com olhos de turista. A tentativa de impressionar tirando o foco do Taj Mahal e concentrando-o na miséria da periferia resulta mais como exploração do que preocupação. Mas para o restante do mundo, inclusive Hollywood, parece ter funcionado. Para um diretor com talentos, é lamentável que a consagração tenha se dado muito mais pelo exotismo do que pelas ideias.

Nenhum comentário:

Postar um comentário