domingo, 31 de julho de 2011

Menos público, mais ousadia


Existem nitidamente dois tipos de filmes que se produz atualmente no Brasil: os direcionados ao grande público e os feitos para festivais e críticos. Desde que o cinema nacional retomou sua proficuidade, há pouco mais de uma década, poucos foram os exemplares que conseguiram conciliar essas duas vertentes. Isso porque diretores e produtores parecem enxergar duas plateias distintas, às vezes subestimando o público ou superestimando a crítica. O resultado é um sem número de filmes pouco vistos, de apreciação limitada e que geralmente terminam com a estranha sensação de que, apesar de não serem produções ruins, poderiam ter sido bem melhores.
Dois desses exemplares podem ser conferidos em DVD (o que nem sempre é facilmente possível, ainda mais se tratando de Ponta Grossa): ‘Se Nada Mais Der Certo’, de José Eduardo Belmonte, e ‘Nossa Vida Não Cabe Num Opala’, de Reinaldo Pinheiro. Duas produções mais ou menos da mesma época (2009), que tiveram trajetórias similares: uma carreira bem sucedida em festivais e passagem relâmpago pelos cinemas, sob a vista de poucos espectadores. Mais do que isso, ambos se enquadram em uma espécie de subgênero nacional: o cinema urbano, focado na marginalidade e que concentra suas forças nos personagens.
‘Se Nada Mais Der Certo’ é a história do triângulo formado por Leo (Cauã Reymond), um jornalista quebrado, Wilson (João Miguel), um taxista solitário, e Marcin (Caroline Abras), uma figura ambígua (seria um garoto ou uma garota?) a perambular sem destino. Sem grandes perspectivas, os três se unem para um golpe e logo enveredam pelo crime.
Em ‘Nossa Vida Cabe Num Opala’, os protagonistas são quatro irmãos: Monk (Leonardo Medeiros), o mais velho que vive com uma garrafa à mão, Lupa (Milhem Cortaz), um ladrão de carros boçal, Slide (Gabriel Pinheiro), skatista invocado, e Magali (Maria Manoela), música de churrascaria. Os quatro acabaram de perder o pai (Paulo César Pereio), que aparece para conversar com eles enquanto suas vidas vão tomando rumos cada vez mais tortuosos.
Ambos os filmes seguem uma linha de cinema independente, com pontos positivos e negativos. Um pouco mais digerível, ‘Se Nada Mais Der Certo’ até funciona bem, porém, o roteiro peca por sua irregularidade. Seus personagens são fortes, as interpretações consistentes, mas quando parece que a narrativa está prestes a deslanchar, se fragmenta e perde força. A edição frenética e o uso excessivo da câmera na mão são outros fatores que incomodam em alguns momentos. Talvez se o diretor não quisesse se mostrar tão ousado o resultado seria mais interessante.
Mais denso e incômodo, ‘Nossa Vida Não Cabe Num Opala’ também é mais problemático. Adaptado de uma peça teatral de Mário Bortolotto, o filme não consegue transmitir a mesma força nos diálogos, tornando-se pesado e cansativo. Apesar de reunir um bom elenco, as atuações são fracas e dissonantes entre si. São dois filmes que parecem tropeçar em suas pretensões, mas ainda assim, merecem respeito por fugir ao comodismo de grande parte da produção nacional.


domingo, 24 de julho de 2011

Para turista ver



Brasil: carnaval, samba, mulheres, belezas naturais, enfim... o paraíso! Mesmo com a chamada globalização, essa ainda é a referência de nosso país para o restante do mundo, gostemos ou não. E se depender da animação ‘Rio’, concebida exclusivamente para a ‘cidade maravilhosa’, com uma carreira bem sucedida nos cinemas planeta afora, assim permanecerá. Não seria algo a incomodar se não fosse um fator limitador da produção, belíssima visualmente, mas que em termos de roteiro fica muito aquém de outras animações.
Há tempos que animação deixou de ser sinônimo de produção infantil, voltada apenas para entreter crianças e não incomodar os adultos que as acompanhavam. Hoje a tecnologia permite dar vida a recriações perfeitas da realidade ou a delírios inimagináveis para os desenhistas do passado. Ao mesmo tempo, roteiristas foram trabalhando com mais esmero em suas histórias. O resultado são produções brilhantes, como os divertidos ‘Shrek’ e ‘Toy Story’, ou os reflexivos ‘Wall-E’ e ‘Up – Altas Aventuras’.
‘Rio’ optou por se enquadrar no primeiro grupo, das produções com apelo mais infantil, protagonizadas por bichinhos falantes e simpáticos. Logo em sua abertura, uma batucada dá início a um número musical encenado por aves de diversas espécies em uma floresta carioca. Minutos depois, a pequena ararinha azul que assistia a tudo vai parar em uma gaiola e termina no estado de Minesota, nos Estados Unidos. Lá, é adotada pela garotinha Linda, ganha o nome de Blu e se torna seu companheiro inseparável.
Anos depois, Linda recebe a visita de um ornitólogo brasileiro, o qual informa que Blu é a última espécie masculina da arara azul. Ela é convencida a levá-lo ao Rio de Janeiro, onde irá se reproduzir em cativeiro com Jade, a arara feminina. Os dois são raptados por traficantes de aves e passam a se aventurar no Rio, junto com tucanos, macacos, um cachorro e pássaros das mais diferentes estirpes. Ah, claro, tudo isso em pleno carnaval carioca.
Dirigido por um brasileiro, Carlos Saldanha (de ‘A Era do Gelo’ 2 e 3 e referência no campo da animação), ‘Rio’ não deixa de repetir os estereótipos propagados mundo afora sobre o Brasil. Todos estão sambando pelas ruas, muitos fantasiados, o carnaval é o máximo e a alegria permanente. Mesmo a trilha sonora, que poderia ser um dos trunfos, se limita a repetir melodias chavões ou a insuportável ‘Mas Que Nada’, na versão de Sérgio Mendes (que, diga-se de passagem, colaborou com a trilha).
O que realmente impressiona é a recriação das paisagens cariocas. Com uma incrível riqueza de cores e detalhes, a equipe reproduz cenários famosos, como o Pão de Açúcar, o Corcovado, a floresta da Tijuca e as favelas cariocas. As sequências do voo das araras pelos céus da cidade e do desfile de carnaval são as mais exuberantes. Pena que o roteiro não acompanhe essa inventividade. A história não tem grandes sobressaltos, os personagens têm pouco carisma e as situações são as mais previsíveis. As crianças certamente vão se divertir, mas para quem procura um algo a mais, fica uma ponta de frustração.


domingo, 17 de julho de 2011

Viagem ao fundo do mar



Um dos maiores problemas de viver em uma cidade como Ponta Grossa é estar privado de certos prazeres únicos, restritos aos moradores dos grandes centros. Um filme como ‘Oceanos’, por exemplo. A nós, pobres ponta-grossenses, não causa nenhuma surpresa o fato de a produção ter passado longe dos cinemas, visto que possui um apelo bem inferior a outras mais comerciais e que, mesmo assim, jamais chegaram por aqui. Previsível, mas não justo. Conformarmo-nos em ver uma obra como essa na tela pequena, sem as dimensões da sala de cinema, é um pecado sem tamanho.
‘Oceanos’ é um documentário francês que, como diz o título, retrata a vida marinha do planeta. Mas antes que você torça o nariz e já pense em uma edição estendida do Globo Repórter, asseguro: é algo muito mais fascinante. Os diretores franceses Jacques Perrin e Jacques Cluzaud passaram quatro anos filmando todos os oceanos do planeta com o que mais avançado existe em tecnologia para esse tipo de registro. O resultado é um conjunto de imagens capazes de surpreender até quem não nutre simpatia pelo gênero.
Não se trata de um documentário didático, que pretende explicar que tipo de vida existe nos mares, onde se encontram tais espécies, que fazem ou como se reproduzem. A ideia dos documentaristas foi explorar essencialmente a estética, sem dar margem para qualquer tipo de narrativa. Algumas frases e citações entrecortam as sequências, que poupam o espectador até mesmo de dados sobre onde estão ou que tipo de animais aparecem na tela. Quando não é o som ambiente, o acompanhamento fica a cargo da vibrante trilha sonora de Bruno Coulais.
Câmeras especiais acompanham de perto tudo o que acontece do céu onde voam aves marinhas até as profundezas, onde se encontram espécies com as formas mais inusitadas. Graças a essa tecnologia e ao empenho da equipe, o espectador consegue acompanhar momentos únicos, como o mergulho das gaivotas em busca de alimentos, a dança de cardumes gigantescos de peixes, o ataque de orcas a leões marinhos ou a movimentação avassaladora de caranguejos no fundo do mar. Não raro, os diretores imprimem a essas situações, típicas da natureza, tensão e dramaticidade equiparáveis a de uma produção hollywoodiana.
Em certa medida, lembra o trabalho realizado em ‘Microcosmos’, de 1996, pelo mesmo Jacques Perin. Nessa produção, microcâmeras registraram a vida de insetos, vistos em seus mínimos detalhes e em cenas que se assemelhavam à realidade humana. A dupla também foi responsável por outro documentário fascinante, ‘Migração Alada’, de 2001, o qual focalizava a trajetória das aves.  Nesse último filme, porém, pesa sobre os diretores a acusação de ter manipulado o comportamento de alguns animais para fazer suas imagens. 
É de se lamentar apenas que ‘Oceanos’ não possa ter sido visto na tela grande, o que o tornaria ainda mais encantador. Mesmo nas limitações de uma televisão (se você tiver uma maior e um blu-ray, melhor ainda), é uma obra que merece ser apreciada, quem sabe para também aprendermos a cuidar melhor desse mundo judiado.


domingo, 10 de julho de 2011

Um herói sem salvação


A melhor coisa de ‘Besouro Verde’ são seus créditos finais. Quando se começa assim a crítica de um filme, certamente está longe de ser um elogio. Dizer isso dói ainda mais quando a produção reunia todas as condições para ser um filme pelo menos divertido. Vejamos o time: na direção, Michel Gondry, responsável por ‘Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças’ e ‘Rebobine, Por Favor’; o roteiro elaborado por Seth Rogen e Evan Goldberg, os mesmos de ‘Superbad – É Hoje’; e como protagonistas o mesmo Rogen, um dos nomes mais proeminentes da comédia atual, e Cristoph Waltz, o inigualável vilão de ‘Bastardos Inglórios’. Pois mesmo com todos esses craques, ‘Besouro Verde’ não decola.
Mais uma vez, estamos diante de um caso de reciclagem, a cada dia mais frequente no cinema atual. Talvez poucos recordem, mas ‘Besouro Verde’ era uma série televisiva dos anos 60, que pegou carona no sucesso de ‘Batman’ para tentar vender um novo super-herói. O sucesso não veio, mas a série acabou se tornando cult por ter como coprotagonista Bruce Lee, o mestre das artes marciais que fez sua estreia em território norte-americano após ser consagrado como ídolo em Hong Kong.
A fim de pegar carona na aura cult do seriado, Michel Gondry fez uma adaptação adequada para os dias atuais, injetando humor, estética de videoclipe e ação frenética. Nela, Seth Rogen vive Britt Reid, o playboy que não está nem aí para os negócios da família até que o pai, dono de um grande império de comunicações, vem a morrer. Obrigado a assumir a fortuna e a empresa, conhece Kato (o ator oriental Jay Chou), que de motorista e mordomo, se revela um inventor brilhante. Um episódio acidental motiva a dupla a assumir identidades secretas, criar engenhocas para combater o crime e se tornarem super-heróis.
Entre se consolidar como um filme de herói ou uma comédia, o diretor optou pela segunda opção. De fato existem algumas boas piadas e situações divertidas, mas a atuação de Seth Rogen é tão exagerada que chega a ser irritante. Geralmente, o ator interpreta uma espécie de Homer Simpson, aquele sujeito desajeitado, pouco inteligente, mas que conquista as pessoas com sua graça. E esse estereótipo acaba não caindo bem na pele de super-herói, que acaba virando uma escada para o personagem de Kato, bem mais interessante.
Além do ator oriental, sobra como ponto positivo também a interpretação de Cristoph Waltz, que só pelo nome de seu vilão (Chudnofsky) já rouba a cena. Nem vou falar na presença de Cameron Diaz, que funciona mais uma vez como mera figura decorativa. De resto, ‘Besouro Verde’ se resume a um amontoado de clichês com cenas de ação exageradas, embalado em uma estética modernete. Decepcionante para um diretor como Michel Gondry, que havia mostrado talento e inventividade em seus filmes anteriores.
Menos mal que agora o filme está disponível em DVD, portanto, o espectador está a salvo do crime que foi a versão em 3D lançada nos cinemas. A diferença era sentida apenas nos créditos finais, que, conforme dito no início do texto, são o mais divertido de tudo.


domingo, 3 de julho de 2011

Realismo frenético


Se existe um termo que jamais poderá ser aplicado ao cinema do escocês Danny Boyle é realista. O diretor de ‘Trainspotting’ e ‘Quem Quer Ser um Milionário?’ pode até se utilizar de histórias humanas ou corriqueiras, mas em momento algum abriu mão de colocar seu toque de devaneio, um surrealismo beirando o publicitário, que às vezes funciona, outras vezes não. Por isso, surpreende que o cineasta tenha levado para as telas uma história real, crua e tão impactante como a de ‘127 Horas’.
Em 2003 o montanhista americano Aron Ralston partiu sozinho para o cânion Blue John, em Utah, onde passaria o final de semana. Um acidente fez com que ele ficasse em uma fenda, com seu braço preso a uma pedra, da qual só conseguiu se livrar amputando o próprio membro.  O tempo durante o qual viveu esse drama compreende as 127 horas do título. O relato se transformou em um livro (‘Between a Rock and a Hard Place’), escrito pelo próprio Ralston, no qual Danny Boyle se inspirou para realizar o filme.
Nas mãos de outro diretor, talvez estivéssemos diante de um filme seco, quase torturante, dadas as condições de seu protagonista. Mas Danny Boyle é Danny Boyle e, fiel ao seu estilo, conseguiu imprimir outro ritmo na narrativa. Ao invés de se concentrar na angústia de seu personagem, o filme se abre para o imaginário onde Ralston encontrou forças para se manter vivo. Uma opção que acaba valorizando muito mais o aventureiro, já que leva o espectador não a sentir pena, mas a compartilhar essa energia.
Aron Ralston é interpretado pelo jovem ator James Franco, indicado ao Oscar por sua interpretação. Não foi uma tarefa fácil, visto que Franco carrega o filme praticamente sozinho. À exceção de uma breve sequência no início, quando encontra duas jovens no parque, e de alguns flashbacks, o ator não compartilha a cena com ninguém, a não ser a rocha que insiste em não deixá-lo ir embora e com uma câmera de vídeo, através da qual faz registros bem-humorados.
Para quebrar essa monotonia e se livrar das amarras que fariam de ‘127 Horas’ um filme estático, o diretor se vale das memórias de Ralston e de seus delírios enquanto permanece preso na fenda. É a deixa perfeita para Boyle explorar seus habituais truques como imagem desacelerada, tela dividida, montagem frenética e abuso nas cores. Convenhamos que o cenário contribui em muito para a exploração de belas imagens, e a fotografia de Anthony Mantle e Enrique Chediak é arrebatadora.
Há quem se sinta incomodado com os maneirismos e exageros visuais de Boyle, que, de fato, utiliza-os muitas vezes para camuflar os defeitos de seus roteiros. No caso de ‘127 Horas’, por exemplo, o relacionamento passado do protagonista parece algo completamente deslocado da história, usado apenas para acrescentar algum toque romântico. No entanto, é um filme muito mais rico e honesto que o tão celebrado ‘Quem Quer Ser um Milionário’. Como tantas outras produções cinematográficas, é uma história de superação. A diferença é que consegue trabalhá-la na acepção do termo, sem jamais subestimar o personagem, seus defeitos e qualidades.