sexta-feira, 18 de março de 2011

A fórmula do imprevisto



Mais um ano se encerrando, período em que pipocam aqueles tradicionais balanços de final de ano, lista de melhores, etc. Aproveitando a carona, nada melhor do que reafirmar uma opinião que já havia destacado nesse espaço anteriormente: qualitativamente, 2007 foi o melhor ano desde a retomada do cinema nacional. Assistimos no cinema a uma safra profícua, com belíssimos exemplares de diferentes gêneros e estilos. ‘Não por Acaso’, estreia na direção de longas de Philippe Barcinski, é mais um fruto desse afortunado período.
Barcinski já havia demonstrado sua habilidade na direção em curtas-metragens premiados e ovacionados pela crítica, como ‘Palíndromo’ e ‘A Janela Aberta’. A travessia para o longa-metragem é sempre vista com expectativa, uma vez que nem todos os diretores conseguem fôlego suficiente para estender uma história por mais tempo. No caso de Barcinski, percebe-se que ele consegue manter algumas características de suas primeiras produções, como a narrativa calculada, impondo até uma certa rigidez na construção das cenas.
Essa característica tem relação com os personagens de ‘Não por Acaso’, duas pessoas cujo trabalho é marcado pela racionalidade, com riscos e conseqüências milimetricamente calculados. Ênio (Leonardo Medeiros) é um engenheiro de tráfego solitário, cuja atividade se resume a ordenar o fluxo de trânsito na caótica São Paulo. Pedro (Rodrigo Santoro) é um marceneiro que se dedica à construção de mesas de sinuca e ao planejamento de jogadas certeiras. Um acidente de trânsito fatal vai colocar o acaso na vida desses dois personagens, acostumados a encarar a vida de maneira calculista.
Após o acidente, Ênio passa a conviver com a filha adolescente que ainda não conhecia, enquanto Pedro se envolve com Lúcia (Letícia Sabatella), executiva para quem a ex-namorada havia alugado seu apartamento. A princípio, o modelo lembra os filmes do mexicano Alejandro González Iñarritu (’21 Gramas’, ‘Babel’), em que um acontecimento trágico comum interfere no destino dos personagens. O tom adotado por Barcinski, porém, não é tão melancólico e negativo. Sua preocupação é mais em retratar a impossibilidade de calcular causas e efeitos na vida cotidiana.
São muitos os méritos do diretor, a começar pela escolha do elenco. Medeiros encarna com perfeição a frieza e a melancolia de seu personagem, que aos poucos vai ganhando humanidade e sensibilidade. Santoro, por sua vez, foge dos clichês ao viver um sujeito apaixonado com dificuldades para lidar com uma grande perda. Bem-estruturado, o roteiro às vezes se perde na ideia de questionar o que vem a ser ou não o acaso, mas conduz a trama sem cair nas armadilhas da narrativa fragmentada, que por vezes força situações para criar pontos de junção na história.
E ainda há São Paulo, talvez a terceira personagem principal do filme. A câmera do diretor percorre ruas vazias e engarrafadas com tomadas belíssimas, enfocando por vezes o caos, por outras o ordenamento da metrópole. Como a vida dos personagens e a nossa, em que num estalar de dedos pode partir para a completa desordem.

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