sexta-feira, 18 de março de 2011

A estética do desconforto



Não quero soar exagerado, mas 2007 tem tudo para se tornar um marco na retomada do cinema nacional. De 1995, quando ‘Carlota Joaquina’ ressuscitou a produção de filmes no País, o cinema brasileiro foi engatinhando, tropeçando, caminhando com as próprias pernas e neste ano parece ter atingido a maturidade. Não me recordo de, em épocas anteriores, ter visto uma safra com tantas obras diversificadas e de ótima qualidade. ‘O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias’, ‘O Céu de Suely’, ‘Baixio das Bestas’ e ‘Cidade dos Homens’ são alguns exemplos, entre outros títulos que ainda estão por vir. Mas talvez o principal referencial seja ‘O Cheiro do Ralo’, que com um pouco de ousadia conseguiu dividir opiniões e criar uma polêmica saudável que estava faltando por aqui.
‘O Cheiro do Ralo’ é a adaptação do livro homônimo do quadrinista Lourenço Mutarelli. A tarefa de levar às telas o universo maldito do escritor coube ao pernambucano Heitor Dhalia, que já havia dado mostras de talento em seu primeiro longa, o irregular ‘Nina’. Nele, o diretor ousava na estética, falhava no roteiro, mas tinha a seu favor um espetacular duelo de interpretações das protagonistas (Guta Stresser, a Bebel de ‘A Grande Família, e a veterana Myriam Muniz).
Em seu novo longa, Heitor Dhalia mantém os pontos favoráveis: a estética marcante e um excelente Selton Mello como o protagonista que desperta ódio, repulsa e compaixão. Mas dessa vez o diretor conseguiu acertar a mão no roteiro, favorecido pela narrativa linear e com algumas características explicitamente cinematográficas. O desafio maior foi levar ao público uma história politicamente incorreta, cheia de cinismo, humor corrosivo e, até certo ponto, incômoda ao espectador.
O protagonista é Lourenço, proprietário de uma loja de quinquilharias que parece não ter um pingo de sentimento. Alguém que termina o noivado com um simples ‘eu não gosto de você’ e cuja vida se resume a desprezar e humilhar as pessoas que o procuram em busca de dinheiro. Esse universo começa a virar de cabeça para baixo quando ele se apaixona de verdade. Não por uma mulher da qual ele não consegue nem recordar o nome, mas pela sua bunda. A confusão em sua cabeça torna-se ainda maior à medida em que ele é atormentado pelo cheiro que vem do ralo do local onde trabalha, do qual não consegue se livrar.
Notadamente, ‘O Cheiro do Ralo’ traz uma forte influência do cinema independente norte-americano, de nomes como Quentin Tarantino, os irmãos Coen, Jim Jarmusch e Kevin Smith. As referências vão da estética, passando pela galeria de personagens esquisitos e situações bizarras, chegando aos diálogos boçais, cheios de cinismo e ironia. Não chega a ser uma comédia, como seria presumível, já que o riso não é constante, mas pontual. Enfim, é uma obra desafiadora, que tanto pode agradar como provocar desconforto. Ou ambas as coisas.
Os críticos se dividiram, alguns exaltando o filme como provocador e inovador, outros classificando-o como pretensioso e falsamente subversivo. Para mim, o simples fato de suscitar essa polêmica já o faz digno de respeito. No mínimo serve para comprovar que nosso cinema não precisa viver de fórmulas feitas.

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