domingo, 26 de junho de 2011

Um outro olhar da periferia


Periferia. Segundo definição do dicionário, “conjunto das zonas situadas à volta do centro de uma cidade, mas a alguma distância deste”. Na prática, uma estrutura cuja complexidade vai muito além da questão da distância. No Brasil, a periferia das grandes cidades se consolidou como um organismo com vida própria, quase um mundo à parte neste país de tantos contrastes. Daí aquilo que podemos classificar hoje como um ‘cinema de periferia’, com os olhos e câmeras voltados para esse microcosmos (ou macro, dependendo do ponto de vista) que tantas histórias tem para contar. ‘Bróder’ é mais um representante desse segmento, porém, não apenas mais um.
As produções mais conhecidas pelo grande público estão centradas na periferia do Rio de Janeiro, como ‘Cidade de Deus’, ‘Cidade dos Homens’ ou ‘Tropa de Elite’. ‘Bróder’ tem como cenário São Paulo, mais precisamente a comunidade do Capão Redondo, que exceto pela vista menos privilegiada e pela linguagem de seus moradores, não difere em muito das favelas cariocas. Com isso, não quero dizer que é um território de guerra, mas uma região que tem graves problemas sociais, contudo, habitado por seres humanos, como faz questão de registrar o diretor Jeferson De.
O elo da narrativa são três irmãos que seguiram caminhos distintos e por um dia se reencontram no velho lar. Macu (Caio Blat) foi o único que permaneceu na comunidade, flertando com o crime. Jaiminho (Jonathan Haagensen) virou jogador de futebol de sucesso e foi morar na Espanha. Pibe (Silvio Guindane) é o trabalhador comum que patina para sobreviver. O roteiro parte dos típicos personagens chavões da periferia: o marginal, o boleiro e o operário. Sua originalidade, porém, está justamente em partir para o trivial ao invés de apelar para os clichês recorrentes no gênero.
É como se ‘Bróder’ contasse duas histórias ao mesmo tempo. Uma de amizade e fraternidade, em que irmãos se abraçam, relembram as brincadeiras da infância e compartilham de prazeres simples, como uma cerveja ou o bolo da mãe. Outra de tensão, que permeia a relação entre os personagens, sempre apelando para uma discussão mais ríspida, e aponta para um caminho preocupante. Com esses dois fortes ingredientes em mãos, acrescidos de grandes interpretações, Jeferson De, em parceria com o roteirista Newton Cannito e o escritor Ferréz, consegue estabelecer unidade e segurança na narrativa, que só cresce à medida que se aproxima do desfecho.
Estreante em longas metragens, estudioso e militante da cultura negra, Jeferson De faz de ‘Bróder’ um filme que escapa dos estereótipos do ‘cinema de periferia’ citado anteriormente, que na maioria das vezes usa a miséria e a violência como apelo estilístico. Aqui a intenção não é chocar, relativizar ou teorizar, apenas contar uma história de pessoas, que têm suas alegrias e problemas como qualquer um. Lamentavelmente, o filme não teve a merecida atenção do público, que parece preferir continuar vendo a favela como palco para tiroteios e outras tragédias.

domingo, 19 de junho de 2011

Razão e sensibilidade


Sou um grande admirador de Sofia Coppola. Em primeiro lugar por ser filha de quem é (o gênio Francis Ford Coppola), mas especialmente porque conseguiu se desvencilhar da sombra do pai e consolidar uma carreira com identidade própria. Ao invés da grandiloquência dos filmes de Francis, Sofia aposta em histórias humanas, enfocando sempre personagens que vivem uma espécie de autismo social, deslocados do mundo no qual caíram. Não é diferente em ‘Um Lugar Qualquer’, que não apenas reafirma essa característica, mas principalmente distancia a diretora do cinemão norte-americano que consagrou seu pai.
A cena de abertura já resume quem é o personagem principal da história. A câmera fixa exibe uma Ferrari possante, que passa a toda velocidade e logo deixa o enquadramento. Vemos a mesma imagem repetidas vezes até que o carro finalmente para e dele sai Johnny Marco (Stephen Dorff), com seu olhar perdido. Astro do cinema, sua vida se assemelha a essa sequência, que de início parece algo inusitado e emocionante, mas logo se revela uma entediante corrida em círculos.
Johnny mora no Chateau Marmont, um dos mais famosos hotéis de Hollywood, por onde passam muitas celebridades. Ele tem tudo o que os pobres mortais gostariam de ter: muito dinheiro, um carro de luxo, tempo de sobra para beber whisky e champanhe em festas ou se divertir com garotas em seu quarto. Seu trabalho se resume a atender o telefone e receber as coordenadas para uma sessão de fotos, uma viagem promocional ou alguma gravação, sem nem precisar pensar muito.
Esse vazio existencial é quebrado pela presença da filha de 11 anos, Cleo (Elle Fanning), com quem Johnny se vê obrigado a passar uns dias a mais que o habitual. Você já deve ter visto essa história centenas de vezes, do adulto que de repente tem a rotina de sua vida transformada por uma criança. A forma com que Sofia Coppola conduz essa transformação, no entanto, é o que foge do script tradicional. Ao invés do choque seguido de uma transição com altos e baixos, o processo transcorre com extrema naturalidade. Sem didatismo, a relação entre pai e filha é construída com poucos diálogos, olhares expressivos e nenhuma pieguice.
É possível reconhecer em ‘Um Lugar Qualquer’ traços das obras anteriores da diretora, especialmente ‘Encontros e Desencontros’. Nos momentos em que a dupla viaja por outros países, Sofia faz questão de deixar sem tradução os diálogos em outras línguas, compartilhando a sensação de deslocamento de seus personagens. Há quem diga que os dois filmes se assemelham, que Sofia praticamente repetiu a história anterior. Não vejo dessa forma. ‘Um Lugar Qualquer’ me parece um filme mais maduro e mais intimista, com um significado maior nas entrelinhas, sem que esboce algum cinismo.
Com um ritmo mais lento que em seus outros filmes, Sofia Coppola segue o caminho inverso daqueles que a imaginavam mais próxima do primeiro time de Hollywood. Seu estilo parece cada vez mais distante da produção geral norte-americana. É crítico sem perder a sensibilidade e racional sem perder a inventividade.

domingo, 12 de junho de 2011

Poderes revigorados


Na semana passada, quando falava sobre ‘Se Beber Não Case 2’, citei as duas modalidades de sequência cinematográfica existentes, a que se limita a repetir o filme anterior e a que ganha vida própria ao se constituir como parte de uma história mais elaborada. Se a comédia dos bêbados era um típico exemplar do primeiro gênero, o segundo tem como um de seus melhores frutos a série ‘X-Men’. O quinto filme da franquia, ‘X-Men – Primeira Classe’ chegou às telas no último final de semana repetindo o desempenho dos episódios anteriores: trazendo novos atrativos, mantendo o vigor e deixando as portas abertas para que novos filmes venham por aí.
A adaptação de um dos quadrinhos mais famosos da história começou há pouco mais de dez anos, com o primeiro ‘X-Men’. Em um resultado não muito fácil de se obter, o filme foi sucesso absoluto tanto entre o grande público como entre os exigentes fãs de HQs e a crítica especializada. Por lidar com uma gama bastante ampla e complexa de personagens, não foi difícil elaborar as sequências, que tiveram a possibilidade de focar melhor em um ou outro herói, criando assim novas subtramas sem cair na mesmice.
O subtítulo ‘Primeira Classe’ desta nova produção remete às origens do grupo e abre mais uma trilogia, agora voltada para o passado dos personagens. Neste caso, as figuras principais são os dois líderes dos X-Men, Professor Xavier (celebrizado por Patrick Stewart e agora vivido por James McAvoy) e Magneto (Michael Fassbender, no papel que era de Ian McKellen). O filme busca responder a algumas perguntas de quem não acompanhou os quadrinhos: como os dois romperam a amizade e se tornaram inimigos? Como Xavier foi parar em uma cadeira de rodas? Por que o conflito entre os dois segmentos mutantes?
O produtor Bryan Singer (diretor dos dois primeiros ‘X-Men’ e autor da ideia do novo filme) tomou a liberdade de construir sua própria versão dos fatos, que destoa um pouco dos quadrinhos. O que parece não ser problema nenhum, visto que o roteiro consegue construir de maneira consistente uma narrativa que mescla experiências genéticas, conflitos políticos (a Guerra Fria na década de 1960) e psicológicos. Claro, sem abandonar as sequências de ação e os efeitos especiais mirabolantes.
O diretor Matthew Vaughn (do divertido ‘Kick-Ass – Quebrando Tudo') consegue equilibrar elementos que estão na essência da série e novidades que revigoram a trama. ‘Primeira Classe’ é mais reflexivo que os outros, além de inserir elementos históricos na narrativa. Ao mesmo tempo, consegue colocar algumas doses de humor e deixar as sequências de ação para os momentos certos. Se por um lado o filme se mantém fiel ao que foi feito até aqui, por outro dá um novo fôlego à franquia, cuja fonte de ideias ainda parece longe de esgotar.
Nessa era de continuações e refilmagens, os mutantes de ‘X-Men’ parecem dar poderes para que seus filmes contrariem o mercado e se aperfeiçoem cada vez mais. A nota negativa mais uma vez fica por conta dos cinemas ponta-grossenses, que mesmo com a concorrência, forçam o espectador a assistir à versão dublada.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

10 histórias de amor


Histórias de amor movem a humanidade desde que Adão e Eva se conheceram, ou que o primeiro macaco encontrou uma primata do sexo feminino. Com a evolução cultural, ficou evidente que não basta aos seres humanos apenas se apaixonar, é preciso sentir a necessidade de viver um romance. As artes souberam como ninguém se apropriar desse desejo incontrolável e se transformaram no terreno mais propício para elevar o sentimento amoroso.
Desde que o cinema é cinema, histórias de amor são um dos principais combustíveis dos filmes. Felizes, tristes, cômicas, trágicas, realistas, inverossímeis... há opções para todos os gostos. Especialmente no Dia dos Namorados. Amada pelos casais, que encontram nela o pretexto perfeito para gastar, fazer um agrado ou simplesmente ganhar um chamego, a data é odiada pelos solitários, que adoram fazer um blasé e desdenhá-la.
Seja em qual categoria você se enquadre, com certeza já se divertiu ou se emocionou com histórias de amor em celuloide. Aproveitando a deixa do 12 de junho, selecionei na produção contemporânea 10 das minhas histórias de amor preferidas. Se para apreciar a dois ou desacompanhado, fica a critério de cada um.

Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças, Michel Gondry
Quem nunca quis apagar alguém da memória após o fim de um relacionamento? Partindo da ideia de que isso seria possível, o diretor Michel Gondry e o roteirista Charlie Kaufman fizeram um dos filmes mais inventivos da década passada. Para ver e rever.

500 Dias com Ela, Marc Webb
A clássica história ‘rapaz conhece garota, os dois se apaixonam e se separam’, só que contada de maneira diferente. Com uma narrativa não linear, sabemos como o romance começa e acaba. O intrigante é desvendar o que se sucedeu ao longo desses 500 dias.

Embriagado de Amor, Paul Thomas Anderson
Nas mãos de Paul Thomas Anderson, até uma comédia romântica ganha contornos inusitados. Uma caixa estranha, corrida por milhagens aéreas e bandidos de um serviço de telesexo são alguns dos elementos que fazem deste um filme diferenciado. Até Adam Sandler ficou legal.

Amores Expressos, Wong Kar-Wai
Duas histórias urbanas. Dois relacionamentos distintos, mas amarrados pela incompletude. Um conjunto de metáforas e poesia visual que revelou de Hong Kong para o mundo o talento de Wong Kar-Wai.

Antes do Amanhecer, Richard Linklater
Nas mãos de qualquer um, a história fugaz dos jovens que se conhecem em um trem na Europa seria entediante. Com um roteiro perfeito, tudo flui de tal maneira que logo nos vemos tomados pela angústia do casal, torcendo para o relógio andar mais devagar e o sol não se levantar tão cedo.

Hora de Voltar, Zach Braff
Esse é daqueles filmes simples, um pouco pretensiosos, mas que por algum motivo além do explicável me fisgaram de primeira. Talvez porque seja impossível não se apaixonar pela personagem doce e maluquinha de Natalie Portman.

O Segredo de Brokeback Mountain, Ang Lee
Se você tem preconceito, problema é seu. Fato é que essa é uma história de amor proibido clássica, daquelas de cortar o coração. Com o simples agravante de os apaixonados serem dois vaqueiros do Oeste americano na década de 1960. Pensa que é fácil?

Wall-E, Andrew Stanton
Sim, os robôs também amam. Por mais que se expressem quase que somente repetindo o nome da amada. Uma das melhores animações já produzidas até hoje e, mais do que isso, um tributo ao cinema e suas histórias de amor.

O Fundo do Coração, Francis Ford Coppola
No dia do aniversário da relação, um casal tem uma discussão severa, briga e se separa. Em Las Vegas, cada um encontra o amante de seus sonhos. Ou não. Desse mote aparentemente simples, Coppola fez uma obra prima visual e uma fascinante reflexão sobre os relacionamentos. Obrigatório.

Drácula de Bram Stoker, Francis Ford Coppola
Fui obrigado a colocar mais uma obra de Coppola na lista. Afinal, quer maior história de amor que a de um sujeito que renuncia a tudo e se entrega à imortalidade por causa de sua amada? Uma história clássica que se agiganta com o requinte e o apuro estético de seu diretor.

domingo, 5 de junho de 2011

Ressaca moral


Existem duas maneiras de encarar o termo sequência cinematográfica. A primeira é levando o termo ao pé da letra, elaborando uma história que dê continuação àquilo que foi criado no filme anterior. A segunda, à qual se recorre por escassez criativa ou quando se pretende pisar em um terreno mais seguro, é utilizar a sequência como repetição. É a forma de manter o espectador na chamada zona de conforto, como aquela viagem de lua de mel que o casal repete para celebrar o aniversário de casamento. Foi esse segundo caminho que o diretor Todd Phillips optou para elaborar ‘Se Beber Não Case 2’, sequência de uma das poucas comédias inventivas dos últimos anos.
O grande mérito de ‘Se Beber Não Case’, bem sucedido tanto entre o público geral como no meio crítico, foi conciliar um roteiro criativo, personagens divertidos e boas piadas. Por incrível que pareça, três artigos de luxo no cinema atual. O charme do filme estava na forma como levava o espectador a desvendar o sumiço de um noivo às vésperas do casamento, após uma noitada em Las Vegas da qual ninguém se lembra de nada.
O novo episódio recria exatamente a mesma situação, trocando apenas o noivo e o cenário da confusão. Dessa vez, quem vai casar é o dentista Stu (Ed Helms), que leva para seu casamento na Tailândia os três conhecidos amigos: Phil (Bradley Cooper), Doug (Justin Barta), o noivo do primeiro filme, e o esquisitão Alan (Zach Galifianakis). Acompanhados do irmão da noiva, Teddy (Mason Lee, filho do diretor Ang Lee), eles se reúnem à noite para beber uma cerveja na praia e acordam no cenário surreal de um edifício em Bangcoc.
A estrutura da narrativa é exatamente a mesma do primeiro filme. Dessa vez, quem desaparece misteriosamente é Teddy. Ao invés de um bebê, quem os surpreende no quarto é um macaco. Aos poucos, as pistas vão sendo apresentadas para que o grupo monte seu quebra-cabeça: uma tatuagem no rosto, um monge budista, prostitutas, o impagável bandido oriental Mr. Chow e um vilão interpretado por Paul Giamatti.
Fica mais que evidente a intenção do diretor, ao rodar esse segundo filme, de fazer a plateia reviver meticulosamente da mesma forma a experiência da produção anterior. Se para muitos a repetição pode soar divertida, para o espectador mais exigente fica uma sensação de enfastio. Há situações engraçadas? Sim. Existem boas piadas? Também. Mas a impressão de já ter visto uma história semelhante contada da mesma maneira tira o que havia de melhor no primeiro filme, o efeito surpresa.
Um exemplo desse efeito maçante é o personagem Alan. Quando ele surge na tela, com seus trejeitos abobados e suas frases de efeito, proporciona boas risadas. No decorrer do filme, porém, seu comportamento de um garoto de 10 anos vai ficando repetitivo e caricato. Outro fator negativo em ‘Se Beber Não Case 2’ é o abuso de piadas grosseiras, que ultrapassam o limite do bom gosto para fazer rir. Dizem que um ‘Se Beber Não Case 3’ está a caminho. Se mantiver a linha traçada até aqui, melhor evitar e preservar a boa imagem deixada pelo primeiro.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Que fim levou a criatividade?


É com um misto de receio e conformismo que pretendo ir ao cinema assistir a ‘Se Beber Não Case 2’. Receio de estragar a boa impressão causada pelo primeiro filme, uma comédia inventiva, com boas piadas e um roteiro digno, coisas cada vez mais difíceis de encontrar em uma mesma produção humorística. E conformismo porque tenho quase certeza, pelas críticas e comentários lidos, que é exatamente essa decepção que vou encontrar. Mais do mesmo ou, melhor dizendo, menos do mesmo.
Não é de hoje que me causam certa desesperança os rumos que o cinema vem tomando ultimamente. Vejamos os principais filmes em cartaz, além de ‘Se Beber Não Case’: ‘Piratas do Caribe 4’, ‘Pânico 4’, ‘Velozes e Furiosos 5’, ‘Kung Fu Panda 2’... na maioria dos casos episódios decadentes de franquias já desgastadas após um início promissor (exceto ‘Velozes e Furiosos’, que não deveria nem ter nascido). Produções que caminham para o mesmo fim melancólico de ‘Shrek’, ‘Alien’, ‘A Hora do Pesadelo’, entre tantos outros.
Não bastassem as continuações, estamos em meio a uma enxurrada cada vez maior de refilmagens. Senão de clássicos da década de 80, como ‘Karate Kid’, ‘A Hora do Espanto’ e ‘Robocop’ (estes dois últimos ainda por vir), de produções periféricas, como o sueco ‘Deixa Ela Entrar’ ou o dinamarquês ‘Os Homens que Não Amavam as Mulheres’. Todos os dias eu não deixo de me perguntar: onde diabos anda a criatividade? Será que estamos chegando no limite de capacidade inventiva dos realizadores? Ou a culpa é do público, que prefere a sensação de déja vu ao risco de experimentar algo diferente?
O cinema norte-americano parece estar padecendo de alguma espécie de complexo de meia-idade. O vigor não é o mesmo, os dias são outros, é preciso buscar uma fonte da juventude que devolva a energia para interagir com os mais novos. Nunca o passado foi tão inspirador para Hollywood como nos dias de hoje. Há quem veja diversão nisso, mas na maioria das vezes eu enxergo apenas um senhor patético e decadente. Particularmente, prefiro preservar o doce sabor da nostalgia: se for para reviver, que seja com a experiência original.

O bom e velho suspense


Quando se fala em uma série literária de sucesso adaptada para a tela grande o temor é inevitável. De imediato, a primeira coisa que vem à mente são catástrofes cinematográficas como ‘Crepúsculo’, ‘O Código da Vinci’ ou os incontáveis ‘Harry Potter’. Mas calma. Já diz aquele velho ditado que para toda regra existe uma exceção, ainda que ela venha de um país frio e culturalmente distante como a Suécia. Não é apenas o estranhamento com a língua e os rostos desconhecidos que fazem a diferença em ‘Os Homens que Não Amavam as Mulheres’, suspense de primeira linha, na trilha daquilo que existe de melhor no gênero.
A comparação com ‘Crepúsculo’ ou ‘Código da Vinci’ não é por acaso. A trilogia ‘Millenium’, do escritor sueco Stieg Larsson, é um fenômeno de vendas, com suas histórias de mistério protagonizadas pelo jornalista investigativo Mikael Blomkvist. ‘Os Homens que Não Amavam as Mulheres’ é o primeiro volume da série, que já teve os outros dois livros adaptados para o cinema, além de originar uma série de televisão. Ainda que não seja tão popular como as outras obras citadas, tem um vasto público a explorar.
Mas, para a nossa felicidade, existem diferenças significativas entre algo produzido e adaptado na Europa e aquilo que o público universal médio está acostumado a consumir.
Quem assumiu a empreitada de levar a história para os cinemas foi o dinamarquês Niels Arden Oplev, nome que, se conhecido dos brasileiros, é apenas daqueles que freqüentam o circuito dos festivais. Se algum figurão do panteão hollywoodiano tivesse tomado a dianteira, dificilmente veríamos na tela a carga dramática e o impacto presentes no filme.
Nele, o jornalista Mikael Blomkvist começa sendo condenado à prisão por conta de uma reportagem contra um poderoso empresário. Ameaçado de perder o emprego na revista em que escreve, aceita a proposta de um milionário para que investigue o sumiço da sobrinha, ocorrido há quatro décadas. Por mais que não haja nenhuma evidência, ele tem certeza que a jovem, então com 16 anos, foi assassinada por um dos membros da família.
Entra em cena então aquele que é o grande personagem de ‘Os Homens que Não Amavam as Mulheres’: a investigadora Lisbeth Salander. Coberta de piercings, hacker exímia e de passado misterioso, a garota é contratada para monitorar o jornalista, mas acaba por ajudá-lo em sua investigação. Paralelamente ao quebra-cabeças para desvendar o crime, o filme explora o drama físico e psicológico da protagonista, envolta em um passado nebuloso e um presente conturbado.
O roteiro segue a cartilha do bom suspense, em desuso no cinema atual, que prefere ludibriar o espectador com sustos, brigas e perseguições. Uma gama de suspeitos, pistas esparsas, trilha sonora climática e a tensão que se prolonga até os minutos finais. Uma fórmula simples, mas que em momento algum nos deixa abstrair da narrativa. Há momentos mais pesados, de perversão e crueldade, que podem causar desconforto, mas são fundamentais à trama. Complexo? Não para quem sabe contar uma boa história.