sábado, 26 de março de 2011

O crime sob outra ótica



O espectador lê a sinopse e se anima. Confere as credenciais do diretor e se enche ainda mais de euforia: o filme é dirigido por David Fincher, responsável pelo mais cultuado filme de ‘serial killer’ das últimas décadas, o envolvente ‘Seven’. Compra sua pipoca e lá vai faceiro para a sala de cinema, pronto para tentar decifrar a identidade de mais um assassino em série das telas. De início lá está o crime brutal, o assassino misterioso e todos os demais elementos que fazem parte do gênero. Aos poucos, no entanto, o mistério vai tomando outros rumos, o foco da história se desloca e aquele espectador que aguardava um suspense eletrizante vai caindo na frustração. Frustração? Não para quem assistir a ‘Zodíaco’ desprovido de tal expectativa, interessado somente em cinema de qualidade.
Quem não se recorda de ‘Seven’, que em meados da década de 1990 aterrorizou as plateias com o assassino em série sanguinário que matava baseado nos sete pecados capitais da Bíblia? Dez anos depois, David Fincher retoma o tema que catapultou sua carreira, mas dessa vez fazendo uma espécie de releitura sobre o próprio gênero cinematográfico. Baseado uma história real, o cineasta faz dessa vez um estudo não sobre o que se passa na mente de um assassino, mas sobre o fascínio e a obsessão que ele desperta nas demais pessoas.
O ponto de partida é o assassinato de dois jovens na noite de 4 de julho de 1969. Dias após o crime, jornais americanos recebem correspondências do suposto assassino, exigindo que um código cifrado seja colocado na primeira página, sob a ameaça de fazer novas vítimas. Bem-sucedido em sua proposta, o criminoso inicia um jogo com a mídia, encaminhando novas cartas, novas mensagens, na mesma medida em que mais corpos vão aparecendo.
A investigação mobiliza duas frentes: na polícia com o detetive Dave Toschi (Mark Ruffalo) e na imprensa com o repórter Paul Avery (Robert Downey Jr.) e o cartunista Robert Graysmith (Jake Gyllenhaal). Os três se mostram obcecados em desvendar o mistério, descobrir a identidade do assassino e interromper o banho de sangue. Suspeitos vão aparecendo, mas sem provas suficientes para incriminá-los. Os crimes cessam, o caso vai caindo no esquecimento, mas a obsessão do trio insiste em não desaparecer.
‘Zodíaco’ até começa dando mostras de que será um suspense na trilha de ‘Seven’, abrindo com uma cena do assassino em ação (magistralmente filmada, diga-se de passagem). O desafio de desvendar os códigos e possíveis identidades do criminoso consomem o espectador até certa altura, quando a solução do caso se mostra praticamente impossível. A questão já não é mais quem matou, mas até onde vai a obsessão dos personagens para elucidar um mistério que se mostra infindável.
Ao invés de tentar entender o que se passa na cabeça de um assassino em série, Fincher busca desvendar o fascínio mórbido que esse tipo de personagem desperta na mente humana. A partir de um momento, descobrir quem é o criminoso não é uma questão de salvar vidas, mas apenas de pôr fim a um desafio pessoal. Não deixa de ser um filme sobre filmes de suspense, questionando inclusive o papel de nós, espectadores. E tão fascinante e envolvente quanto as melhores obras do gênero.

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