sábado, 26 de março de 2011

Diversão e sensibilidade



Há muito tempo que desenho animado deixou de ser uma coisa exclusivamente para crianças. Seja pela técnica, que cada vez mais impressiona ao reproduzir elementos da realidade, quanto pelas narrativas, que nada deixam a dever às melhores produções em película. Por alguma razão que permanece inexplicável, ainda reluto em ir ao cinema para assistir a uma animação. E justamente por isso, me penalizo ao verificar o que poderia estar perdendo. Uma produção como ‘Up – Altas Aventuras’, por exemplo, é obrigatória no currículo de qualquer um que aprecie cinema minimamente.
Para nos situarmos nesse universo à parte que se tornou o cinema de animação, é preciso lembrar primeiramente de onde tudo começou. Até a década de 90, animações eram exclusividade da Disney, responsável por clássicos que todo mundo conhece. Quando alguns de seus profissionais declararam independência, surgiram duas produtoras que a cada temporada se digladiam pela liderança no mercado: a Pixar, pertencente à Disney e pioneira no uso do 3D, e a DreamWorks, capitaneada por Steven Spielberg.
Analisando friamente essa disputa, podemos dizer que a DreamWorks tem produções mais simpáticas, como ‘Shrek’, ‘Madagascar’ e ‘Kung Fu Panda’. Ou seja, quando o alvo são as crianças, ponto para eles. Agora, quando se trata de qualidade como produto cinematográfico, não há o que discutir: a Pixar está anos luz à frente. ‘Up – Altas Aventuras’ apenas confirma essa disposição de incorporar cada vez mais a essência cinematográfica na animação, o que inclui não apenas o visual, mas a capacidade de emocionar e contar histórias mais complexas.
Essas marcas são detectáveis em diversos pontos de ‘Up’. Primeiro deles, a escolha do protagonista. Ao invés de bichinhos falantes, seres de outro mundo ou crianças espevitadas, o personagem central é um velhinho de 78 anos. Carl Fredricksen é um ex-vendedor de balões, apaixonado por aventuras quando criança, mas que jamais realizou o sonho de viajar à América do Sul. Após a morte da esposa, decide cumprir a promessa feita a ela de conhecer uma grande cachoeira no meio das montanhas.
A tática utilizada por Carl para chegar lá é o mais inusitado: ele amarra sua casa a centenas de balões e segue voando rumo ao destino sonhado. Na empreitada, ele ganha a companhia de um garoto escoteiro, uma ave exótica e um cachorro falante. Diferente da maioria das produções infantis, que têm o jovem como protagonista e o idoso como suporte, aqui a situação se inverte: a liderança e o espírito aventureiro pertencem ao mais experiente.
Como já havia ocorrido no genial ‘Wall-E’, há uma homenagem explícita ao cinema, mais especificamente os filmes de aventura dos anos 40 e 50. Temas um tanto complexos para a animação, como a senilidade e a morte, são abordados com uma sensibilidade tocante. Esse conjunto é o grande diferencial da Pixar, que se estabelece em definitivo com ‘Up – Altas Aventuras’. Vale a pena ainda dar uma olhada nos extras, que trazem curtas e um interessante documentário sobre o processo de criação do filme.

Nenhum comentário:

Postar um comentário