sábado, 26 de março de 2011

Uma jornada pela redenção



A recente decisão por parte do governo norte-americano de construir uma grande cerca na fronteira com o México nos dá uma ideia de quão tensa e problemática é a situação naquela faixa de terra, que ao mesmo tempo une e separa duas populações tão distintas. Essa zona de conflito, onde o clima árido e a paisagem desértica parecem dar tons ainda mais dramáticos à relação entre ianques e hispânicos, foi o cenário escolhido pelo veterano ator Tommy Lee Jones para debutar na direção. O resultado é ‘Três Enterros’, um belíssimo western contemporâneo que comprova o talento do astro também atrás das câmeras.
Em mais uma infelicidade dos distribuidores brasileiros, o filme teve reduzido seu título original, ‘The Three Burials of Melquiades Estrada’ (Os Três Enterros de Melquiades Estrada). Pois bem: Melquiades Estrada é um camponês mexicano que consegue ingressar ilegalmente nos Estados Unidos após fazer amizade com Pete Perkins, um vaqueiro norte-americano (o próprio Lee Jones). Depois de ser morto por Mike Norton, um policial da fronteira, ele vai passar pelos três enterros do título: o primeiro a cargo de seu assassino para ocultar o cadáver; o segundo pelas autoridades locais que desprezam e abafam o ocorrido; e o terceiro pelo amigo, que vai cumprir uma jornada pela honra do falecido e pela redenção do criminoso.
Ao perceber que toda tentativa de estabelecer a justiça através da lei é vã, Perkins resolve fazê-lo por conta própria: rapta o policial para que ambos sigam juntos até a terra natal de Melquiades, onde lhe darão o enterro merecido. Através de uma narrativa não linear o espectador vai conhecendo os personagens, suas realidades e as circunstâncias que envolveram o crime. Uma vez integrados, somos levados à longa e tortuosa viagem dos dois personagens principais.
Como se pode notar, existe um viés político no filme. Lee Jones e o roteirista mexicano Guillermo Arraiga (de ‘Amores Brutos’ e ‘21 Gramas’) não deixam de lançar um olhar crítico sobre a tempestuosa relação entre autoridades americanas e os imigrantes latinos. Mas ao invés de fazer um simples drama-denúncia para um Supercine qualquer, a dupla constrói um retrato poético sobre aquela região e seus habitantes, pontuado por momentos de humor, tensão e reflexão.
O universo dos personagens de ‘Três Enterros’ é de uma solidão tremenda. Perkins, numa brilhante interpretação de Lee Jones, remete aos heróis vividos por Clint Eastwood, durões por fora, mas solitários por dentro. O policial Norton prefere gastar a maior parte de seu tempo com revistas pornográficas a dar atenção à esposa, a qual preenche o vazio de sua vida jogando conversa fora em um café. Um mundo contraditório, tão carente de relações humanas, mas tão cheio de conflitos.
As paisagens áridas que ocupam a tela acentuam esse cenário de desolação, remetendo aos westerns clássicos de Sérgio Leone. A exemplo das obras do cineasta italiano, aqui também a paisagem se incorpora como um personagem, acirrando ainda mais o conflito entre os sobreviventes. Há o acerto de contas, mas que no século 21 já não pode mais ser resolvido com apenas algumas balas num duelo sob o sol escaldante.

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