sexta-feira, 25 de março de 2011

Aconteceu naquela noite



A premiação máxima do último Globo de Ouro revelou duas situações distintas. De um lado, como já foi abordado nesse espaço, o prêmio de melhor filme dramático foi para ‘Avatar’, uma consagração ao cinema blockbuster, de muita produção e pouca criatividade. Por outro, o troféu de melhor filme comédia ou musical aportou justamente no oposto: ‘Se Beber Não Case, uma produção barata, sem astros e recheada de humor politicamente incorreto. Contradições de uma Hollywood que ainda mostra um pouco de bom senso de vez em quando. Sim, porque se foi surpreendente, não se pode dizer que a premiação não tenha sido justa.
É uma tradição natural: todos os anos algum filme de baixo orçamento, por razões que a própria razão desconhece (afinal, nem sempre a qualidade é o que move o grande público), se infiltra entre as megaproduções e arrebenta nas bilheterias. ‘Se Beber Não Case’ custou R$ 30 milhões, não exatamente uma bagatela, mas um valor pequeno se comparado a outros sucessos. Arrecadou nada menos que R$ 467 milhões em todo o mundo, um lucro considerável. Principalmente considerando que nos Estados Unidos a comédia recebeu classificação R (proibida para menores de 17 anos).
Agora vem a famosa pergunta: qual o segredo de ‘Se Beber Não Case’? O essencial para uma boa comédia: uma história bem contada, atores realmente engraçados e piadas legais. Simples assim. Os personagens são Doug, Stu, Phil e Alan, quatro homens na faixa dos 30 anos com uma mentalidade próxima dos 15. Doug é o noivo que vai com os três amigos protagonizar uma despedida de solteiro em Las Vegas. Mas isso nós ficamos sabendo depois da sequência de abertura, em que um dos colegas telefona à noiva e diz, sem rodeios: “nós estragamos tudo. Doug sumiu”.
A grande sacada do roteiro é estender ao espectador a grande interrogação feita pelos protagonistas: o que aconteceu na noite passada? A narrativa traz os quatro brindando na cobertura do hotel e corta para a manhã seguinte, em um quarto que lembra o de Hunter Thompson em ‘Medo e Delírio’. Aos poucos, como um filme de suspense em que você tenta descobrir quem é o assassino, são apresentadas as pistas que podem levar à revelação do que aconteceu e, principalmente, onde foi parar o noivo.
Esse processo de descoberta é, de fato, muito bem conduzido pelo diretor Todd Philips e pelos roteiristas Jon Lucas e Scott Moore (que até então não haviam feito nada digno de registro). Um dente, um bebê, um tigre, uma gangue chinesa, uma viatura de polícia e até o boxeador Mike Tyson são alguns dos elementos que tornam hilária a odisseia do trio. A revelação do mistério é um pouco frustrante em meio a toda a expectativa criada pelo roteiro, mas nada que comprometa o desfecho.
‘Se Beber Não Case’ tem humor escatológico, piadas grosseiras, mas em momento algum descamba para a baixaria. No fim das contas, chega a ser uma comédia sobre amizade e fidelidade. A distinção dos personagens, cada um com uma personalidade, é essencial para que a história funcione como um relógio. Numa época em que o computador consolidou seu poderio no cinema, o reconhecimento ao talento humano é uma bênção.

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