sexta-feira, 18 de março de 2011

O holocausto, o amor e a culpa



Desde que Steven Spielberg abriu os portões de Auschwitz, com o consagrado ‘A Lista de Schindler’, o cinema parece ter perdido o receio, pudor ou que quer que seja para tratar de um tema espinhoso da humanidade, o nazismo e o massacre de milhares de judeus na Segunda Guerra Mundial. Desde então, vários filmes mergulharam na história (mais ou menos profundamente) para evocar e reverberar nos ouvidos do mundo a barbárie que se sucedeu. ‘O Leitor’ se insere nessa leva e tinha tudo para se sobressair entre as produções que apelam facilmente ao tratamento de choque como forma de extrair compaixão. Porém, faltou um algo a mais para alçá-lo ao posto de filme notável que lhe foi prenunciado.
A premissa veio do livro homônimo do escritor alemão Bernhard Schlink, que evoca os horrores do Holocausto sob uma ótica de distanciamento. Ao invés de situar a narrativa entre os protagonistas do massacre, descrevendo agruras e atos de desumanidade, ele situa seus personagens no antes e no depois. No antes predomina o prazer, em um tórrido romance entre um adolescente e uma mulher 18 anos mais velha. O depois é marcado pelo sentimento de culpa, de expiação e de sofrimento pelo peso do passado.
Esse jovem adolescente é Michael, que em uma tarde chuvosa conhece Hanna (Kate Winslet, vencedora do Oscar por esse papel), uma solitária cobradora de bondes. Os dois vivem um caso que dura apenas um verão, mas suficiente para marcar a vida do rapaz para sempre. Além do sexo, o relacionamento é pontuado pelo hábito de Michael ler todos os dias para Hanna, de histórias em quadrinhos a clássicos da literatura. Até o dia em que a garota desaparece sem avisar o jovem amante.
O reencontro se dará anos mais tarde, quando Michael é um estudante de direito. Ao acompanhar um julgamento, ele vê Hanna sentada no banco dos réus, acusada de participar de um massacre judeu em um campo de concentração. Ele tem uma informação que pode salvá-la da condenação, mas que também pode incriminá-lo e revelar o romance que sempre permaneceu em sigilo. A decisão tomada terá seus reflexos décadas mais tarde, quando Michael aparece mais velho, vivido por Ralph Fiennes.
Os motivos pelos quais ‘O Leitor’ tinha tudo para ser um grande filme? Primeiramente Stephen Daldry. O cineasta que fez o simpático ‘Billy Elliot’ se mostrou um diretor de mão cheia no impactante ‘As Horas’, onde revelou forte domínio narrativo e habilidade em lidar com uma pesada carga dramática. Em segundo lugar, Kate Winslet. Não é à toa que essa britânica é uma das recordistas em número de indicações ao Oscar. Seu talento, aliado à beleza peculiar, sustentam uma personagem difícil, misteriosa e pela qual se nutrem sentimentos dúbios.
Mas por que ‘O Leitor’ não consegue ser brilhante? Porque o diretor e o roteirista David Hare não souberam trabalhar com a preciosa matéria-prima que tinham em mãos. Na segunda parte do filme, quando o julgamento suscita uma pesada reflexão sobre as parcelas de culpa cabíveis a cada um dos envolvidos, a história envereda pelo melodrama, derrubando tudo o que havia sido construído até então. E aí termina como apenas mais um filme sobre o holocausto.

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