segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Ode à bandidagem


Mais do que nunca, filmes de polícia e bandido estão em moda no Brasil. O sucesso avassalador de ‘Tropa de Elite 2’ reafirmou uma tendência que começou a ser revelada em ‘Cidade de Deus’, passou pelo primeiro ‘Tropa’ e agora se mostra definitivamente consolidada: o público brasileiro gosta de ver tiroteio na tela. Tal discussão renderia uma análise à parte, mas por enquanto serve-me apenas de preâmbulo para apresentar mais um produto da safra policial contemporânea, que coloca em evidência marginais, favelas e violência estilizada.
‘400contra1 - Uma História do Crime Organizado’. Título pomposo para um filme que, de fato, traz em si uma história de proporções respeitáveis. Baseado no livro homônimo de William Silva Lima, a produção conta a história das origens do Comando Vermelho, primeira grande facção do crime organizado no Rio de Janeiro. O projeto do diretor Caco Souza, estreante em ficção, tem sua semente no curta ‘Senhora Liberdade’, em que chegou a entrevistar o próprio William, atualmente foragido da Justiça.
Interpretado por Daniel de Oliveira, William é um assaltante que, em meados da década de 70, é detido e mandado para o presídio de Ilha Grande (RJ), que à época abrigava bandidos comuns e presos políticos. Apesar da divisão entre as duas categorias, seus integrantes acabavam interagindo ou entrando em conflito. Através dessa interação, William e alguns colegas de crime passaram a conhecer o modelo de organização daqueles que lutavam contra a ditadura. Aos poucos, os conhecimentos foram aplicados em favor da criminalidade, resultando naquele que seria conhecido futuramente como o temido Comando Vermelho.
Visivelmente inspirado em ‘Cidade de Deus’, o diretor quis criar uma narrativa nos mesmos moldes, apoiada na narração em off do personagem principal e em idas e vindas no tempo. O resultado é desastroso. Ao invés de concentrar a atenção, a narrativa confunde a cabeça do espectador de uma maneira que o desestimula a resistir até o final. Não há um ponto da narrativa que concentre o clímax e sirva como referência para a viagem temporal do roteiro. Não bastasse, o descuido com a caracterização dos personagens torna ainda mais complicado entender onde estão os personagens e qual sua relação com as passagens anteriores.
Caco Souza quis fazer um filme policial estilizado, caprichou na trilha sonora, mas esqueceu do roteiro. Seus personagens são rasos como um pires e passam o filme recitando diálogos-chavões em meio a tiroteios, imagens congeladas e sangue espirrando. No fim das contas, o tratamento dado pelo diretor à história acaba funcionando como uma ode à bandidagem, exibindo criminosos como heróis nacionais. A título de comparação, ‘Quase Dois Irmãos’, de Lúcia Murat, tratou de tema parecido com muito mais eficácia e propriedade. 
Pior de tudo é que ‘400contra1’ não funciona como diversão, com seus tiroteios e estilizações, tampouco como um filme a ser levado a sério. Sobrou pretensão ao jovem cineasta, que se tivesse optado por um caminho mais simples quem sabe tivesse obtido um produto mais simplório, porém, menos constrangedor.

Romantismo em conta-gotas


Ao contrário de uma parcela expressiva do público que frequenta cinemas e videolocadoras, tenho aversão a comédias românticas. A fórmula batida, os roteiros mais que previsíveis e personagens estereotipados fazem com que passe longe dos filmes do gênero. Mas, como para toda regra existe exceção, há alguns casos que merecem um pouco de atenção. O interesse pela capital francesa me levou a assistir a ‘2 Dias em Paris’, que não chega a ser um exemplar típico de comédia romântica, mas tem lá seus chavões. O resultado não é nada brilhante, mas garante um pouco de diversão, em especial àqueles que têm algum tipo de relação com a cultura francesa.
O longa é o primeiro dirigido pela atriz francesa Julie Delpy, cujo papel mais marcante foi a parceria com Ethan Hawke nos (também) românticos ‘Antes do Amanhecer’ e ‘Antes do Pôr do Sol’. Mais do que dirigir, ela escreveu e estrelou o filme, que se mostra bastante personalista. Nascida na França e posteriormente alçada ao staff hollywoodiano, a atriz sustenta sua história nas peculiaridades da cultura francesa, suas diferenças e estranhezas com o modo de viver norte-americano.
Julie é Marion, fotógrafa francesa que há dois anos mantém um relacionamento com Jack (Adam Goldberg), decorador nova-iorquino hipocondríaco. Após uma viagem de férias na Itália, os dois decidem estender a estadia européia em Paris, onde ela irá rever a família e alguns amigos. Os dois dias que se seguem são marcados pela inusitada relação de Jack com os pais da garota, o encontro com os ex-namorados e o choque com alguns costumes franceses. Enfim, um conjunto de fatores que vai fazer o casal repensar e refletir sobre o relacionamento.
Como se percebe, a estrutura da narrativa é basicamente a mesma de centenas de filmes espalhados pelas prateleiras das videolocadoras ou exibidos diariamente na televisão. O que existe de diferente em ‘2 Dias em Paris’ é um estranho senso de humor, mais sexual, menos escrachado e talvez mais realista. Não há uma seqüência de gafes ou piadas com homossexuais, mas um riso contido, que parece estar sempre diluído em melancolia. Na maioria das vezes, os desencontros risíveis do casal soam mais como subterfúgios para esconder a fragilidade do relacionamento, apenas escamoteando uma realidade complexa, que muito em breve virá à tona.
Como nativa, Julie Delpy se sente muito à vontade para fazer graça com algumas características de seus pares, como a obsessão por sexo, a xenofobia e a mística parisiense. São essas situações que rendem os momentos mais divertidos do filme, sem o exagero habitual de um estrangeiro ou o deslumbramento de um ‘Paris, te Amo’ (filme coletivo que homenageia a capital francesa).
No fim das contas, ‘2 Dias em Paris’ tem muito mais de romântico que de comédia. Os diálogos sarcásticos e cheios de banalidades por muitas vezes escondem o famoso ‘discutir a relação’ cotidiano do qual nem damos conta. É previsível, em alguns momentos chega a ser bobo, mas não é raso como a maioria dos exemplares do gênero água com açúcar. No caso, mais água e menos açúcar.