sábado, 26 de março de 2011

Justiça com as próprias mãos



No cinema, é preciso personalidade para defender posturas ousadas, que tendem a fomentar polêmica e servir de munição para críticos e puritanos. Em tempos de insegurança total, a violência urbana tem sido um prato cheio para cineastas questionarem onde vamos parar com o crescimento vertiginoso da criminalidade. O brasileiro José Padilha que o diga, tachado de fascista até fora do Brasil por seu retrato nada amistoso da polícia em ‘Tropa de Elite’. Curioso é como um filme como ‘Valente’, do irlandês Neil Jordan, tenha passado despercebido, não tanto por suas qualidades, mas por seu ponto de vista pra lá de controverso.
Jordan é um diretor talentoso, porém irregular, que parece se sentir mais à vontade em sua terra, trabalhando com baixos orçamentos do que tendo o aparato do cinemão norte-americano à sua disposição. Basta comparar obras pequenas e brilhantes como ‘Traídos pelo Desejo’ e ‘Nó na Garganta’ com o superproduzido e enfadonho ‘Entrevista com o Vampiro’, por exemplo. Em ‘Valente’ o cineasta retornou à América e ao esquema hollywodiano, para tocar em um assunto espinhoso: justiça com as próprias mãos.
Jodie Foster é Erica Bain, uma radialista famosa por alimentar seus ouvintes com crônicas urbanas e reflexões cotidianas. Ela tem um noivo (Naveen Andrews, o Sahyd, de ‘Lost’), com quem vive feliz e planejando os últimos detalhes do casamento. Um passeio noturno, porém, vai colocar fim a toda essa felicidade. Ladrões espancam o casal, matando o rapaz e deixando Erica gravemente ferida. Após se recuperar, a radialista, em um ato impulsivo, compra uma arma e passa a circular pela noite matando bandidos e outros maus elementos.
Os mais antigos já devem ter visto essa história em algum lugar. Sim, é o mesmo mote de ‘Desejo de Matar’, em que Charles Bronson perdia alguém querido e saía promovendo uma verdadeira limpa na marginália. Jordan, porém, o faz de uma maneira mais reflexiva, a começar pelo fato de colocar nessa condição uma mulher bem-sucedida, alguém teoricamente frágil. Convenhamos, é algo inimaginável, tanto para os espectadores como para os policiais que no filme investigam a identidade do justiceiro misterioso.
A matadora muito bem interpretada por Jodie Foster, porém, está longe de ser uma pessoa fria e calculista. É um ser humano amedrontado, com vários momentos de fraqueza, mas que se vê fortalecido quando tem um arma nas mãos. Que isso tenha passado despercebido pelos moralistas de plantão é algo incompreensível. O diretor mergulha fundo na tese de que, em um mundo violento e com mecanismos de repressão ineficazes, a justiça pelas próprias mãos pode ser a única alternativa do cidadão acossado. Mais do que isso, coloca uma interrogação na velha máxima de que ‘bandido bom é bandido morto’.
Lamentável que toda essa polêmica sirva apenas para encobrir os vários defeitos de ‘Valente’. O roteiro é frouxo, amarrando de maneira pouco convincente os fatos que levam a personagem principal a mudar sua personalidade. Em alguns momentos, chegam a ser risíveis as artimanhas para relacionar a radialista com o detetive que investiga os crimes. Caro Neil Jordan, melhor voltar para sua casa, onde você e todos nós nos sentimos melhor.

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