Não tinha a intenção de escrever sobre ‘Avatar’. A essa altura do campeonato, tudo o que havia para ser dito sobre o filme já foi escrito à exaustão e quem aprecia cinema minimamente tratou de assisti-lo no cinema. Quem me fez mudar de ideia foram os membros da Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood, que no final de semana passado concederam ao longa o Globo de Ouro de melhor filme dramático. Que isso significa? Que ‘Avatar’ se tornou, a partir de então, o grande favorito ao Oscar 2010. Numa época em que a Academia se vinha se mostrando cada vez mais afinada com o cinema independente, condecorar um blockbuster de entretenimento pode representar uma nova mudança de rumos.
A menos que você tenha acabado de retornar de umas férias em Marte, já sabe do que se trata ‘Avatar’. É apenas a produção mais cara da história do cinema, que custou a bagatela de US$ 500 milhões e está em vias de se tornar o recordista também de bilheteria mundo afora. Tudo porque o diretor James Cameron (que também já é o detentor deste último recorde com ‘Titanic’) desenvolveu uma tecnologia 3D que está prestes a revolucionar a forma de se assistir a filmes. A história também já é conhecida: em um futuro longínquo, humanos se infiltram em um planeta habitado por grandes criaturas azuis em harmonia com a natureza. Um soldado se envolve com uma nativa e se divide entre a missão militar e sua paixão.
Ao avaliar o que representa ‘Avatar’ e a possibilidade de entrar no rol dos ‘melhores’ filmes da história, é preciso fazer uma separação. Primeiro analisemos com os olhos, o que é a grande razão de ser da produção. Assisti-la através dos óculos tridimensionais é uma experiência única. A tecnologia desenvolvida por James Cameron nos deixa próximos de abandonar a condição de meros espectadores, nos colocando no centro da ação. O espetáculo de cores e efeitos especiais provoca um certo transe, visual e sensorial, como jamais o cinema havia oferecido.
Porém, coloquemos nossos pés no chão e lembremo-nos: cinema é, acima de tudo, contar uma boa história. E isso ‘Avatar’ não consegue nem de longe. A trama do filme é rasa, o roteiro fragilíssimo e a mensagem irritantemente didática. Cameron, que merece os louros pela concepção técnica de sua obra, mostra sua faceta de vilão ao tentar ludibriar o espectador. Seduz-nos com um magistral truque visual, mas deixa de cumprir sua responsabilidade de entregar uma boa narrativa. Como comparou o colunista Álvaro Pereira Jr., da Folha de S. Paulo, é como um médico que realiza uma cirurgia revolucionária e deixa o paciente morrer.
A pergunta que fica é: seria realmente justo premiar ‘Avatar’ como o melhor filme do ano? Promover uma ode ao cinema de cifras dois anos após premiar ‘Onde os Fracos Não Têm Vez’, dos irmãos Coen, dois dos melhores narradores do cinema contemporâneo? Confesso que me sinto um pouco frustrado. Afinal, o olhar é facilmente impressionável, enquanto as boas ideias exigem um esforço bem maior de persuasão. A única conclusão a que chego, por ora, é que não foi à toa que o termo ‘indústria cinematográfica’ se consolidou.
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