quinta-feira, 17 de março de 2011

O mistério da fé



Religião no cinema é quase sempre sinônimo de polêmica. Que o digam Martin Scorsese, com ‘A Última Tentação de Cristo’, e Mel Gibson, com ‘A Paixão de Cristo’. Talvez por isso não sejam muitos os diretores que se aventuram no terreno da fé, seja com olhar conservador ou lançando mão de interpretações controversas. No meio termo, o norte-americano Abel Ferrara decidiu arriscar e realizou ‘Maria’, filme um tanto inquietante que mergulha no universo da fé e suas representações.
Alternativo, quase maldito, Ferrara tem seu currículo marcado por produções que exploram a criminalidade e a violência sob um aspecto mais intimista, casos de ‘O Funeral’ e ‘O Rei de Nova York’. Em ‘Maria’ não há sangue, tiros ou mortes, mas o olhar sobre os personagens é o mesmo: de alguém perturbado, cheio de dúvidas e questionamentos, nem sempre fáceis de se responder.
Um desses personagens é Marie (Juliette Binoche), atriz que após viver Maria Madalena em um filme, não consegue se desvencilhar do personagem. Atormentada, abandona a carreira cinematográfica para mergulhar em uma jornada espiritual em Jerusalém. Longe dali, nos Estados Unidos, Ted (Forest Whitaker) é um jornalista que comanda um programa televisivo no qual aborda a história e o papel de Jesus Cristo. Inevitavelmente, sua pesquisa vai cruzar com Marie e o diretor do filme, o ambicioso Tony (Matthew Modine).
O que temos são dois personagens atormentados em busca do que é a fé. Mas enquanto Marie se dedica a essa busca através da devoção, Ted quer respostas científicas. São os dois olhares que Ferrara lança sobre o mesmo tema, que vão acabar se cruzando quando o jornalista se vê envolvido em um terrível drama familiar.
Sem assumir posturas ou defender teorias, Ferrara coloca em ‘Maria’ algumas polêmicas, como a de que Maria Madalena não teria sido prostituta, mas uma apóstola de Cristo, vítima de discriminação em um meio masculinizado. Mas esse é o foco do filme dentro do filme, ou seja, quem assume o peso da polêmica é Ted, o cineasta fictício. Muito menos do que polemizar, a intenção de Abel Ferrara é colocar interrogações, deixar que o espectador assuma a responsabilidade de tirar suas conclusões.
Os atores contribuem para que o drama se acentue e ganhe o tom sombrio proposto pelo diretor. Não é preciso dizer quão talentosos são Juliette Binoche e Forest Whitaker, que conseguem imprimir a sobriedade necessária a seus personagens. Sempre próxima deles, às vezes quase uma intrusa, a câmera de Ferrara traduz com eficácia sua angústia e inquietação.
Com um ritmo lento, por vezes tenso, ‘Maria’ não é o tipo de filme que vá agradar facilmente o espectador comum. Seu mérito maior é abordar com eficiência um tema tão complexo sem querer impor teses formadas e conceitos ideológicos. Talvez porque Ferrara tenha plena consciência de que cada um tem sua fé, independente de como ela venha a ser expressada.

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