terça-feira, 22 de março de 2011

Paranoia delirante



Quem se depara com o título e o cartaz de ‘Possuídos’ deve imaginar de imediato um filme de terror sobre espíritos, possivelmente readaptado de alguma produção oriental. Se é exatamente isso que você procura, melhor correr os olhos pela prateleira da videolocadora atrás de outra coisa. Primeiro: não se trata de um filme de espíritos ou coisa que o valha. Segundo: apesar de todo o clima de tensão, a produção está fora dos padrões convencionais do terror comercial. Se isso não tem a menor importância para você, aí sim vale a pena experimentar essa instigante e intrigante produção.
Ao traduzir o título original de ‘Bug’ (inseto) para ‘Possuídos’, os distribuidores brasileiros certamente quiseram pegar carona em ‘O Exorcista’, maior sucesso do veterano diretor William Friedkin. Pode funcionar junto ao grande público, mas quem conhece um pouco da obra do cineasta sabe que sua carreira não se resume ao terror clássico (que o digam ‘Operação França’ e ‘Viver e Morrer em Los Angeles’). No entanto, seu retorno ao horror serve justamente para exibi-lo na melhor forma, após um longo período de filmes medianos.
Em ‘Possuídos’, acompanhamos a história de Agnes (Ashley Judd), uma garçonete infeliz, traumatizada pelo sumiço do filho e atormentada pelo ex-marido violento. Certa noite ela conhece Peter (Michael Shannon), um ex-combatente da guerra do Golfo, pouco falante e igualmente desiludido. Do encontro nasce uma relação amorosa, que começa a ganhar contornos macabros quando Peter se vê atacado por minúsculos insetos. Realidade ou paranoia, o tormento vai tomando conta do casal, que mergulha em uma jornada autodestrutiva.
Baseado em uma peça teatral, ‘Possuídos’ transfere para o cinema muitas das características inerentes ao palco. Uma delas é a unicidade do cenário, já que praticamente toda a ação se passa dentro de um quarto de hotel. À medida que os personagens vão se alterando o espaço também vai se transformando, criando uma atmosfera claustrofóbica e angustiante. Isso se acentua pelo fato de a história se concentrar quase que exclusivamente na dupla principal, arrancando atuações intensas, principalmente de Ashley Judd, que domina o filme com sua terrível metamorfose.
Com um orçamento modesto e sem pressão dos grandes estúdios, Friedkin consegue construir um horror fora convencional, distante dos apelos populares. Para criar medo não é preciso escancarar a violência, apelar à escatologia, dizer ao espectador ‘é hora de se assustar’. O terror está naquilo que não se vê, no que não se sabe, na incerteza sobre o que estamos vivenciando, se é real ou produto da mente dos personagens.
Com ‘Possuídos’, William Friedkin se aproxima muito mais do terror psicológico e delirante de David Cronenberg do que do seu próprio ‘Exorcista’. Há quem diga que estamos diante de uma bizarra história de amor ou de uma crítica à paranoia norte-americana pós-11 de setembro. Nesse caso, não se trata de apresentar explicações didáticas ou conclusões óbvias, mas de atormentar a mente para fazê-la funcionar.

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