terça-feira, 22 de março de 2011

Os pecados de cada um



A postura excessivamente ufanista do cinemão norte-americano sempre foi motivo de irritação entre plateias mundo afora, que não se conformavam ao ver na tela uma bandeira dos Estados Unidos tremulando como exemplo triunfante da vitória do bem sobre o mal. Mas assim como a própria população já não se sente mais desconfortável em se voltar contra seus próprios governantes, o cinema também não se furta de lançar olhares críticos, ridicularizadores até, sobre sua própria sociedade. ‘Pecados Íntimos’, por exemplo, é mais um daqueles filmes que não poupam ironia e amargura para retratar um quadro desesperançoso da vida em sociedade.
Desde que ‘Beleza Americana’ arrebatou o Oscar expondo de maneira patética as contradições na família tradicional ianque, o ‘american way of life’ nunca mais foi o mesmo nas telas. Vieram então cineastas como Todd Solondz (‘Felicidade’) e Paul Thomas Anderson (‘Magnólia’), disparando contra a hipocrisia, o falso moralismo e explorando as facetas que se escondem atrás das fachadas de paz e harmonia. A crônica suburbana de ‘Pecados Íntimos’ está a cargo de Todd Field (‘Entre Quatro Paredes’), baseado em livro do escritor americano Tom Perrota, que também assina o roteiro.
Em um mesmo bairro residem Sarah (Kate Winslet), dona de casa frustrada, e Brad (Patrick Wilson), pai de família sustentado pela esposa. Enquanto o marido de Sarah é viciado em pornografia, a esposa de Brad vive para o trabalho. A monotonia de suas vidas é quebrada após se conhecerem no parquinho onde levam seus filhos, não demorando para iniciarem um caso extraconjugal. O relacionamento entre os dois, permeado por dúvidas e conflitos, guia a narrativa do filme.
Porém, um terceiro personagem tem papel importante na história: Ronnie (Jackie Earle Haley), um pedófilo que, após deixar a cadeia, retorna ao bairro onde se desenrola o romance. Sua presença é tida como uma ameaça à vida supostamente harmoniosa da comunidade, que o teme e persegue como a um predador. A sequência em que ele vai a uma piscina pública e faz as mães aterrorizadas tirarem suas crianças da água é uma das mais brilhantes do filme.
Nesse universo, ao mesmo tempo tão estranho e tão familiar, diretor e roteirista desenrolam uma trama de contrastes. Sarah e Brad vivem um relacionamento intenso, feliz, mas proibido aos olhos moralistas dos vizinhos. Ronnie, por sua vez, até tenta levar uma vida normal, mas sua simples presença na sociedade já é uma espécie de condenação. Enfim, quem é mais imoral, quem comete os pecados ou aqueles que julgam e condenam pelas aparências? Esse é apenas um dos questionamentos levantados de maneira sutil pelo cineasta.
‘Pecados Íntimos’ tem o mérito de transitar com desenvoltura entre o drama e a sátira, a crítica de costumes e tragédia novelesca. Conta com ótimas interpretações e um roteiro muito bem escrito, equilibrando ironia e melancolia nas doses certas. Não vai agradar a todos, certamente, pela contundência e o desconforto causado em muitos momentos. Mas, enfim, é o preço que se paga por qualquer provocação.

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