sexta-feira, 18 de março de 2011

Um cinema de virtudes



Fazer bom cinema pode ser muito mais simples do que se imagina. Em alguns casos, não é necessário um roteiro intricado, dezenas de personagens complexos, pirotecnias visuais e exercícios metafóricos para agradar ao espectador mais exigente. Uma boa história, contada de maneira convincente e com atores competentes, é capaz de proporcionar resultados muito mais interessantes do que determinadas invencionices. É o que nos prova o diretor Richard Eyre no ótimo drama ‘Notas sobre um Escândalo’.
O filme é baseado no livro homônimo da jornalista e escritora inglesa Zöe Heller. A história não é real, mas se assemelha a um episódio que ganhou as páginas dos jornais há alguns anos: o envolvimento de uma professora casada e mãe de família com um aluno adolescente. O foco central de ‘Notas sobre um Escândalo’ não é exatamente o relacionamento entre ambos, mas suas conseqüências e, principalmente, a ligação com um terceiro personagem (por sinal, o principal da história).
Na ficção, a professora é Sheba (Cate Blanchet), que pela primeira vez encara a realidade de uma escola suburbana. Aos poucos, vai ganhando a amizade de outra professora, a veterana Barbara (Judi Dench), que expressa sua homossexualidade reprimida e as angústias da solidão em um diário. À medida em que ganha a confiança de Sheba, Barbara passa a nutrir sentimentos de amor, ciúme e possessão pela colega. Quando descobre o relacionamento entre professora e aluno, faz da descoberta um valioso segredo, que servirá tanto para estreitar os laços como alimentar as tensões entre ambas.
Com essa história, ‘Notas sobre um Escândalo’ tinha todas as condições de se transformar em um dramalhão televisivo, daqueles que infestam o ‘Supercine’ nas noites de sábado. Entretanto, isso não acontece primeiramente por conta do roteiro enxuto, sustentado pela brilhante narrativa de Heller. As anotações feitas por Barbara em seu diário mesclam ironia e amargura em frases excepcionais como: ‘as pessoas costumam confiar seus segredos a mim. Mas a quem eu posso confiar os meus?’ Além disso, o diretor não se perde em diálogos e subtramas desnecessários, mantendo o foco nos personagens principais.
Mais do que isso, o que garante a força e o interesse constante pelo filme é o trabalho da dupla de protagonistas. Judi Dench seria uma espécie de Fernanda Montenegro britânica. Apenas sua presença já enche a tela, seu olhar diz mais do que quinze minutos de diálogo e suas intervenções jamais são excessivamente discretas ou exageradas. Cate Blanchet, por sua vez, não se deixa ofuscar pela colega, tampouco cede à pieguice na qual seu personagem poderia escorregar. Cada qual a seu modo, ambas travam um fascinante duelo de interpretações.
Entre todas essas virtudes, o diretor conta ainda com a excelente trilha sonora de Philip Glass, que conduz a narrativa de maneira sóbria, sem forçar a barra para tentar induzir o espectador às lágrimas. Como se pode perceber, ‘Notas sobre um Escândalo’ não tem nada de surpreendente ou inovador. É simplesmente um drama eficiente, que pela soma de qualidades acaba se constituindo em um grande filme.

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