sexta-feira, 18 de março de 2011

Realidade cruel, fantasia real



Nos tempos de criança, é comum corrermos para o colo de nossos pais quando estamos com medo de assustadoras criaturas que povoam nosso imaginário, tais quais monstros, fantasmas e outros seres que habitam o universo da fantasia infantil. Mas, em alguns casos, a realidade é muito mais assustadora, cabendo ao mundo dos contos de fada servir como um refúgio, onde estamos a salvo da crueldade e da tristeza dos seres humanos. Esse estranho paradoxo que envolve vivência e imaginação é o mote da produção mexicana ‘O Labirinto do Fauno’, um dos filmes mais belos e instigantes do ano passado.
A história se passa em 1944, na Espanha assolada pela guerra civil e comandada pela ditadura de Franco. Aos 13 anos de idade, Ofélia se muda para o campo, onde passará a viver com a mãe grávida e o padrasto, um militar que não lhe nutre a menor afeição. Apegada a contos de fada, ela descobre um labirinto, onde encontra um fauno (criatura mitológica metade humana e metade corpo de bode). Segundo ele, a garota é, na verdade, uma princesa, que para recuperar seu reino precisa cumprir três tarefas numa terra mágica.
A sinopse faz parecer que se trata de um filme de fantasia ao estilo ‘Alice no País das Maravilhas’. O que o diretor Guillermo del Toro constrói, porém, é uma fábula soturna, macabra, mais próxima de um filme de terror que de uma história de ninar. Com um roteiro incrivelmente bem costurado, ‘O Labirinto do Fauno’ alterna fantasia e drama histórico-político, carregando nas tintas densas, mas sem perder o caráter lúdico.
A vida de Ofélia se divide entre dois mundos distintos. Em um deles, a mãe sofre uma gravidez turbulenta, enquanto o padrasto luta sem piedade contra guerrilheiros rebeldes, praticando atos de tortura. No outro, ela se esforça para decifrar os mistérios do fauno e enfrentar desafios como um sapo gigante e uma estranha criatura com olhos nas mãos. Classificar esses dois mundos como real e imaginário seria até um equívoco, já que para a garota (e para o espectador também), um é tão verdadeiro quanto o outro.
Com isso, o diretor faz uma apaixonante reflexão sobre o medo. O que é mais assustador afinal? Criaturas repugnantes debaixo da terra ou pessoas supostamente normais, que não se importam com a vida ou o sofrimento humano? A cena em que Ofélia, arrependida por ter perdido uma oportunidade de recuperar seu reino de fantasia, chora compulsivamente, é sintomática.
Mais do que um exercício metafórico de reflexão, ‘O Labirinto do Fauno’ é uma experiência visual marcante. Seja pelo impacto das cenas de violência como pelo apuro visual dos cenários fantasiosos. Pontuadas ora por cores vivas, ora por luz e sombra, a fotografia e a direção de arte enchem os olhos, formando um mosaico que completa e reforça a ideia de contraposições presente ao longo do filme.
Habituado a transitar entre o cinema alternativo e o universo hollywoodiano, Del Toro fez um filme único, que apesar da produção requintada, jamais se enquadraria no esquema comercial. Ao mesmo tempo em que encanta, emociona e faz refletir. Sem exagero, uma legítima obra-prima.

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