sexta-feira, 25 de março de 2011

Transposição infeliz



Por fora bela viola, por dentro pão bolorento. O ditado do tempo dos nossos avós cai como uma luva para algumas produções cinematográficas atuais, que enchem os olhos do espectador, mas deixam uma sensação de completo vazio no cérebro. As chances de que isso acontecesse com a adaptação de ‘The Spirit’, uma das mais envolventes histórias em quadrinhos de todos os tempos, existiam, mas tinham contra si uma série de fatores. Sua linguagem cinematográfica, a direção de Frank Miller, outro mestre quadrinista, e um elenco de respeito. Mas, infelizmente, deu tudo errado e ‘The Spirit’ resulta em uma adaptação no mínimo constrangedora.
Aos que não conhecem a obra, ‘The Spirit’ foi escrita na década de 1940 pelo norte-americano Will Eisner, sendo uma das pioneiras nas histórias em quadrinhos tidas como adultas. O personagem título é um herói mascarado que vive a combater o crime numa cidade fictícia inspirada em Nova York, infestada de bandidos e belíssimas mulheres. Com uma estética inspirada no cinema noir, suas histórias tinham um aspecto sombrio, mas eram temperadas com um senso de humor particular.
Quando decidiu adaptar a HQ para as telas, Frank Miller disse que prestaria uma homenagem a Eisner, falecido no início de 2005. Portanto, era de se esperar que utilizasse a mesma técnica de ‘Sin City’, sua primeira experiência na direção, compartilhada com Robert Rodriguez: manter-se fiel ao máximo aos desenhos, chegando por diversas vezes a reproduzir cenas imortalizadas nos gibis. Nesse aspecto o filme pode até funcionar, mas sem um roteiro que se sustente, não há estética que salve.
Miller, que também escreveu o roteiro, fez um apanhado geral da história. Spirit (Gabriel Match) caça bandidos convencionais, mas seu principal alvo é o arquiinimigo Octopus (Samuel L. Jackson), que tem as mesmas características de resistência física dele. O pretexto para destruí-lo vem quando descobre que o bandido está envolvido em negócios com Sand Saref (Eva Mendes), uma ex-namorada que se bandeou para o mundo do crime. Completam o rol de beldades sua atual namorada Ellen Dolan (Sarah Paulson) e o braço direito de Octopus, Silken Floss (Scarlett Johansson).
Em termos visuais, ‘The Spirit’ parece com um ‘Sin City’ requentado. A fotografia em cinza, com destaque para os elementos vermelhos, impressiona até certa altura, quando se torna repetitiva e acachapante. Diferentemente do primeiro, que tinha uma narrativa bem construída e personagens interessantes, aqui nada se salva. Nem mesmo os atores. Gabriel Match é de uma canastrice sem tamanho. Samuel L. Jackson, um grande intérprete, se perde em exageros que chegam a ser involuntariamente cômicos. Das atrizes, a única coisa que lhes sobra é a beleza.
A inexperiência de Frank Miller e a falta de alguém para lhe dar uma orientação parecem ter sido fatores preponderantes no fracasso de ‘The Spirit’. Escrever diálogos para o cinema não é a mesma coisa que fazê-lo para histórias em quadrinhos. Lidar com atores e sequências em movimento é bem mais complexo do que traçá-las no papel. Menos mal que Will Eisner não viveu para presenciar tal tragédia.

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