sábado, 19 de março de 2011

O lado sombrio de Woody Allen



Você pode até não gostar dos filmes dele, mas há de reconhecer o talento de Woody Allen. Adorado por nove entre dez cinéfilos, faz filmes com uma assiduidade pontual, entregando a seus fãs um produto novo a cada ano. O resultado é uma obra de altos e baixos, com algum grande filme entre outros não tão brilhantes, mas sempre mantendo uma certa regularidade incansável. Nessa montanha russa, ‘O Sonho de Cassandra’ está mais para o alto do que para baixo. Não é seu melhor filme nos últimos anos, como se entusiasmaram alguns críticos, mas também não é o pior, como vociferaram alguns de seus detratores. É um Woody Allen... diferente, eu diria.
Em sua extensa carreira, o diretor nova-iorquino cativou tantos fãs por seu humor peculiar, irônico e intelectualoide, justamente o que provoca ojeriza em outros tantos. Mas ele também tem seus momentos baixo astral, que resultaram em obras tão interessantes quanto ‘Interiores’ como chatas tal qual ‘Setembro’. ‘O Sonho de Cassandra’ não chega a tanto, mas é sua obra mais sisuda dos últimos anos, sombria como poucas vezes se viu.
‘Sonho de Cassandra’ é o nome do barco que os irmãos Ian (Ewan McGregor) e Terry (Colin Farrell) compram, realizando assim um sonho conjunto. Ian é sócio do pai em um restaurante, metido a playboy e que planeja se tornar um empresário do ramo hoteleiro. Terry não quis saber dos negócios familiares: trabalha como mecânico, é bem casado, mas um jogador compulsivo. Ambos almejam enriquecer, têm seus planos, até que Terry perde uma grande quantia em uma mesa de cartas.
A solução para o problema dos irmãos está em Howard, o tio milionário que se dispõe a ajudá-los financeiramente. Mas para isso eles terão de fazer um pequeno favor: matar uma pessoa que ameaça colocar seus negócios por terra. Ambos relutam, refletem e decidem aceitar a proposta. A partir daí vivem dois dramas. O primeiro mergulhado nos dilemas morais de tirar a vida de alguém. O segundo nas conseqüências do feito, que serão sentidas de maneiras distintas pelos irmãos.
O crime, a morte e seus dilemas, o peso sobre a consciência são assuntos que já foram tratados por Woody Allen em outras obras, como ‘Crimes e Pecados’ e, mais recentemente, ‘Ponto Final’. O tratamento dado pelo diretor à trama, entretanto, é muito mais sombrio do que nos filmes anteriores. Não se têm aqueles momentos de fina ironia, tão característicos do diretor. Em algumas cenas até se tem a impressão de que alguma sacada risível irá surgir, mas logo ela é desfeita por uma tirada mais amarga.
Ao contrário dos personagens, o diretor parece mais uma vez se divertir, elencando referências das mais variadas, que vão da mitologia grega, passam por Dostoievski e chegam a Hitchcock. Mesmo para quem não tem apreço por sua obra, é prazeroso ver alguém fazer cinema por diversão, sem se importar com que os outros pensem. Ainda que ‘O Sonho de Cassandra’ reforce suas palavras em uma entrevista recente. “Há momentos de prazer e momentos que são divertidos, mas, basicamente, a vida é trágica”.

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