sábado, 19 de março de 2011

Dramas de uma guerra silenciosa



Já houve um tempo em que a política belicista dos Estados Unidos era motivo de orgulho para seus habitantes. Em meados dos anos 80, durante a era Reagan, o cinema tratou de reforçar essa vaidade aos olhos do mundo, exaltando o militarismo e disseminando o conceito de que os norte-americanos seriam os principais candidatos a salvadores do mundo. O tempo passou, o mundo mudou e a própria América, antes vaidosa de seus combatentes, voltou-se contra o próprio umbigo e engrossou o coro de ‘basta!’. Os ecos foram reverberados na produção cinematográfica, hoje muito mais empenhada em exaltar a estupidez e as consequências nefastas da guerra do que supostos feitos heroicos.
Nessa categoria, ‘O Mensageiro’ é mais um exemplar sintomático de uma safra de filmes que deixa o campo de batalha para expor as cicatrizes do confronto. Tendo como foco a Guerra do Iraque, o estreante diretor Oren Overman (co-roteirista de ‘Não Estou Lá’, a inusitada cinebiografia de bob Dylan) parte de uma situação tratada sempre como secundária para colocá-la no centro da história: o momento em que a família é informada da morte de um oficial em ação.
O jovem sargento Will Montgomery (Ben Foster) é tido como um herói de guerra, mas que por conta disso ainda carrega sequelas físicas e psicológicas do conflito. A ele é delegada uma nova missão, de comunicar pais e viúvas da perda de seus entes queridos. Seu companheiro na tarefa é o capitão Tony Stone (Woody Harrelson, indicado ao Oscar pelo papel), experiente na função e que lhe ensina as regras do trabalho: frieza total, distanciamento das pessoas e autocontrole.
Tony alerta para as diferentes reações que o sargento terá de enfrentar: histeria, desespero, agressividade, inconformismo. Manter-se impassível é sua obrigação. As cenas em que os dois cumprem a tarefa são de puro impacto, com uma carga emocional que dá ao filme um vigor invejável. A tensão se acentua quando Montgomery infringe uma das regras estabelecidas pelo protocolo e se envolve com Olivia (Samantha Morton), viúva de um oficial morto em combate, a quem é transmitida a notícia.
Mais do que explorar a dor da perda, ‘O Mensageiro’ enfoca o trauma daqueles que sobreviveram à guerra, mas carregam consigo seus efeitos colaterais. Montgomery e Tony são pessoas que parecem não encontrar um norte fora do Exército: solitários, se amparam na bebida e em relacionamentos casuais para fugir da realidade. É a guerra invisível aos olhos da maioria da população, tão devastadora ao ser humano quanto um tiro de fuzil ou uma granada. 
É uma pena que o notável roteiro, escrito pelo diretor em parceria com Alessandro Camon (e também indicado ao Oscar), não consiga se sustentar até os minutos finais. A trama perde força a partir do conflito entre os dois oficiais, seguindo para um rumo um pouco diferente do adotado até então. De todo modo, as interpretações de Ben Foster e Woody Harrelson imprimem uma carga emocional que supera alguns desses tropeços. Sem disparos ou explosões, ‘O Mensageiro’ tem a virtude de expor uma violência silenciosa, tão ou mais cruel que a dos campos de batalha.

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