domingo, 20 de março de 2011

Choque e reflexão


Não é muito fácil simpatizar com os filmes do diretor austríaco Michael Haneke. Ainda que tenha conquistado importantes prêmios e seja reconhecido por uma parcela respeitável da crítica, sua obra se caracteriza por uma estranha perversidade, uma relação com o grotesco que fica entre o puro choque e a reflexão. Mas não é exatamente daí que vem o impacto maior de ‘A Fita Branca’, seu último filme, consagrado com a Palma de Ouro no Festival de Cannes de 2009, o Globo de Ouro e uma indicação ao Oscar de filme estrangeiro em 2010.
Haneke é daqueles diretores que têm personalidade suficiente para imprimir uma marca forte a suas produções, mesmo que isso lhe custe uma certa ojeriza de parte do público e da crítica. Foi assim com ‘Violência Gratuita’, um exercício questionável sobre comportamentos violentos, e sua desnecessária refilmagem norte-americana. O mistério que cerca a narrativa de ‘A Fita Branca’ foi interpretado de diferentes formas, o que levou-o a colecionar adjetivos como cruel, crítico ou ambíguo.
A linha que conduz a história é uma sequência de estranhos acontecimentos registrados em uma pequena aldeia alemã no início do século 20, às vésperas da 1ª Guerra Mundial. De início, o médico local fica gravemente ferido quando seu cavalo tropeça em uma linha colocada em sua propriedade. A seguir, uma lavradora morre em um acidente na propriedade do principal empregador. Depois, duas crianças são encontradas com marcas de tortura, sem maiores explicações.
A princípio, pode-se pensar que ‘temos em A Fita Branca’ uma obra de mistério, em que cabe ao espectador desvendar uma teia de acontecimentos que, teoricamente, estariam ligados entre si. À medida que a narrativa se desenvolve, fica evidente que tão ou mais importante que desvendar esse mistério é observar a rede de relações que se constrói naquele pequeno, mas intrigante universo. Uma comunidade norteada pelo conservadorismo, presa a regras morais e religiosas severas, mas ao mesmo tempo com relações pessoais que beiram o criminoso.
Muitos enxergaram nesse cenário uma fábula sobre as origens do nazismo. Fato é que o diretor Michael Haneke mais uma vez elabora uma trama que não alivia para o espectador. Seja na violência explícita, contida ou até mesmo moral, há uma carga de impacto à qual é impossível passar batido. Dessa forma, consegue construir uma narrativa aparentemente fragilizada, mas que se revela consistente, se apoiando inicialmente no desconhecido, se acentuando nos conflitos psicológicos e terminando de uma maneira pouco ou nada confortável.
Além do roteiro e da competência de seus atores, ‘A Fita Branca’ é abrilhantado pela intensa fotografia em preto e branco de Christian Berger, um trabalho que confere um aspecto ainda mais sombrio e claustrofóbico à história. Que também não conta com trilha sonora musical, o que acentua ainda mais o impacto de algumas cenas. O DVD traz em seus extras um documentário sobre o diretor, que ajuda a entender um pouco mais de seu estilo, tão controverso quanto atraente. Goste-se ou não, é alguém que merece respeito pela ousadia, tão em falta nos dias atuais.

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