quinta-feira, 24 de março de 2011

Para amar, cantar e chorar



Se existe um gênero pelo qual não nutro a menor simpatia é o dos musicais. Toda aquela cantoria substituindo diálogos, encenada com coreografias vistosas me são demasiado entediantes. Até a semana passada, a única exceção havia sido a versão da década de 80 para ‘A Pequena Loja dos Horrores’, comédia em que os números musicais divertidíssimos serviam como complemento e não como condutores da trama. Inexplicavelmente, porém, me senti atraído por ‘Romance e Cigarros’, talvez pelo fato de, mesmo sendo um musical, ter a assinatura dos irmãos Joel e Ethan Coen na produção. E não é que pela segunda vez na vida me deliciei com uma produção desse gênero?
‘Romance e Cigarros’ é a estréia na direção de John Turturro, ator do qual sou grande admirador, mas com o qual jamais me conformei por não ter atingido o destaque que seu talento merece. Parceiro assíduo dos irmãos Coen (vide ‘Barton Fink’, ‘Ajuste Final’ e ‘O Grande Lebowski’, entre outros), não apenas ganhou o suporte dos diretores para o produzir, como deixa nítida a (boa) influência por eles exercida.
O filme nos narra a história de Nick Murder (James Gandolfini), operário que após anos de casamento se envolve com Tula, uma ruiva fogosa (Kate Winslet). Quando sua esposa Kitty (Susan Sarandon) descobre a traição, passa a rejeitá-lo ostensivamente, sentindo-se incapaz de perdoar. Nick, por sua vez, se vê envolvido em um grande dilema, entre a paixão juvenil e o amor maduro que nutre pela esposa. Completam o cenário dessa tragédia amorosa-sexual-familiar as três filhas problemáticas do casal, o melhor amigo de Nick (Steve Buscemi, outro tradicional colaborador dos irmãos Coen) e o primo de Kitty, Bo (o mais uma vez magistral Cristopher Walken).
A narrativa é pontuada por uma série de números musicais, que, bem aproveitados, não se tornam e não deixam o filme se tornar enfadonho. Uma das razões para isso é o fato de serem bem dosados e em momentos estratégicos. As canções, em sua maioria tiradas do cenário pop (de nomes como James Brown, Janis Joplin e Elvis Presley), aparecem como um artifício inteligente para externar os sentimentos e emoções dos personagens. Bem-humoradas, as coreografias quebram um pouco da melancolia que toma conta da história, principalmente à medida em que se aproxima o desfecho.
Como bom pupilo, Turturro não hesita em esconder as influências dos irmãos Coen. Elas estão nítidas em algumas tiradas cujo humor está no limite da ironia, nas situações banais que de repente beiram o surreal, e em alguns personagens que parecem saídos de um manicômio, mas com quem você poderia muito bem se encontrar na rua. O melhor de todos é o primo Bo, de Cristopher Walken, com sua pose de Don Juan frustrado vindo direto de uma máquina do tempo.
Ao ousar na forma, John Turturro consegue realizar um filme que a princípio parece divertido, com suas músicas e linguagem chula, mas aos poucos vai se mostrando reflexivo e melancólico. Há momentos bastante realistas e outros próximos do fantástico. Ainda falta um pouco de equilíbrio entre as duas coisas, mas pela aposta criativa o neodiretor já tem um crédito enorme.

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