terça-feira, 22 de março de 2011

Cinema com cabeça e coração



Certos filmes deveriam ter uma categoria especial, criada especificamente para eles. São filmes que te conquistam pela capacidade tanto de arrancar risos quanto de provocar aquele nó na garganta. Filmes como aquela pessoa discreta, porém inteligente, simpática e dona de uma beleza peculiar, pela qual você se apaixona em questão de minutos. Filmes que, ao final, te deixam com um sorriso estampado no rosto e a sensação de ter curtido um belo dia de primavera. Pois bem. Se fosse para escolher um representante mor dessa categoria, ‘Pequena Miss Sunshine’ teria chances gigantescas de ser selecionado.
Essa comédia dramática foi o grande azarão do cinema norte-americano em 2006. Dirigido por uma dupla de novatos desconhecidos (Jonathan Dayton e Valerie Faris), o filme teve ótima performance nas bilheterias, colheu elogios da crítica mundo afora e, por muito pouco, não sagrou-se o grande vencedor do último Oscar. Ficou apenas com as merecidíssimas estatuetas de melhor roteiro e ator coadjuvante (para o veterano Alan Arkin).
O ponto de partida de ‘Pequena Miss Sunshine’ é uma família desajustada do interior dos EUA. A caçula Olive (a atriz mirim Abigail Breslin) ganha a oportunidade de participar do concurso que dá nome ao filme, uma bizarra versão mirim dos tradicionais concursos de misses. Para isso, embarcam em uma kombi amarela rumo ao evento o pai (Greg Kinnear), um fracassado escritor de auto-ajuda, a mãe (Toni Colette), dona de casa com um subemprego, o avô (Alan Arkin), viciado em heroína, o tio (Steve Carrell), homossexual que tentou se suicidar, e o irmão (Paul Dano), fã de Nietzsche que decidiu fazer um voto de silêncio.
A história simples remete a outras situações já vistas por várias vezes no cinema recente: 1) a família desagregada que, por força do destino, se vê obrigada a resolver suas diferenças; 2) o road movie existencial em que uma viagem muda a vida das pessoas; e 3) o deslocado universo daqueles que não se enquadram nos padrões da sociedade dita ‘normal’. Tudo isso valoriza ainda mais o trabalho dos diretores, que conseguiram fugir dos lugares comuns equilibrando na medida certa situações hilárias e dramáticas, sem nenhuma dose de exagero.
Contribui para isso a felicidade de ter os atores certos nos locais certos. Todos parecem ter nascido para seus respectivos papéis, mas três deles merecem destaque: Steve Carrell, que arranca risos apenas com suas expressões e poucas palavras; Alan Arkin, que no pouco tempo em que permanece em cena dá um show particular; e a pequena Abigail Breslin, dona de uma naturalidade e desenvoltura capazes de provocar inveja em muitos marmanjos.
O premiado roteiro funciona como um relógio: todos os personagens têm a atenção merecida, os diálogos fluem sem artificialismo, o drama e o humor se revezam em perfeita harmonia. A ironia permeia grande parte do filme, que também se permite dar suas lições de moral, sem pieguice. Enfim, ‘Pequena Miss Sunshine’ é uma joia rara, um exemplo de cinema com inteligência, mas feito com coração. Talvez por isso seja tão difícil não se render a seus encantos.

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