sexta-feira, 18 de março de 2011

O preço da felicidade



A busca da felicidade sempre foi um tema recorrente no cinema, desde os seus primórdios. Nada mais normal, afinal de contas essa é uma constante do ser humano, que, a bem da verdade, tem sua vida fundamentada nesse princípio. O que muda é apenas o caminho a ser percorrido e, sobretudo, qual o conceito de felicidade para as pessoas. Pois esse é o mote de 'O Céu de Suely', segundo filme de Karim Aïnouz, que colecionou prêmios em festivais e elogios da crítica.
Aïnouz ganhou notoriedade já em seu trabalho de estreia, o interessante ‘Madame Satã’, que além de fazer uma boa carreira, lançou um dos melhores atores do atual cinema nacional, Lázaro Ramos. Mais uma vez ele coloca um talento novo em evidência, dessa vez Hermila Guedes, que em seu segundo papel no cinema, e o primeiro como protagonista, mostra uma força arrebatadora. Ela é a estrela e a alma de um filme sensível e poético, porém, não menos realista.
Em um estilo naturalista, os próprios atores dão nome aos personagens principais. Hermila é uma jovem que regressa de São Paulo a Iguatu, cidadezinha no interior do Ceará, com um filho pequeno no colo e a esperança de uma nova vida. Ela aguarda o retorno do pai da criança, mas logo se vê iludida e abandonada pelo sujeito. A partir daí toma uma decisão ousada: resolve rifar a si mesma, adotando o nome de guerra de Suely e prometendo aos compradores ‘uma noite no paraíso’. Com o dinheiro espera partir para algum lugar que desconhece, mas onde acredita que possa estar a tão sonhada felicidade.
Mas, afinal de contas, onde está e qual o preço dessa tal felicidade? É nessa ideia que se apóia o roteiro de ‘O Céu de Suely’, ao acompanhar uma personagem aprisionada em um universo de monotonia e desilusão. A abertura do filme, com um casal sorrindo e fazendo planos ao som de uma música brega, logo contrasta com a realidade cruel em que está inserida Hermila. A sua ideia de felicidade, possivelmente compartilhada com milhares de pessoas, está associada à fuga, à esperança no desconhecido, naquilo que dá nome ao filme.
Por isso, não espere respostas óbvias em ‘O Céu de Suely’. O estilo aplicado pelo diretor se aproxima muito dos cinemas asiático e do leste europeu, pontuado pela narrativa lenta, simbolismos, silêncios e olhares. É um filme, por assim dizer, introspectivo, que desafia o espectador a olhar para dentro dos personagens e compartilhar seus desejos e amarguras.
Nada disso funcionaria se não fosse o talento de Hermila Guedes. Ela incorpora seu papel com uma naturalidade impressionante, ressaltando a força e a fraqueza presentes na personagem quase que na mesma medida. Impossível ainda deixar de destacar outros dois elementos fundamentais à narrativa: a fotografia magistral de Walter Carvalho e a trilha sonora de Berna Ceppas e Kamal Kassin, que conduzem a história em um tom delicado, sem desbancar para o piegas.
Vale lembrar que o DVD traz nos extras o curta ‘Rifa-me’, dirigido pelo mesmo Aïnouz e cujo argumento fundamentou ‘O Céu de Suely’. São ambas obras que primam pelo tom realista, mas, acima de tudo, pela sensibilidade e o humanismo no trato de seus personagens. Pode não agradar a muitos, mas é uma rica e emocionante experiência.

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